Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







terça-feira, 30 de agosto de 2011

Joguinho de advinhação

Prestem atenção a apelação abaixo e num mínimo esforço, advinharão quem é o apelante:

Prefeito,
Servi ao senhor durante todos esses anos dando tudo de mim na administração. Fiz tudo que o senhor pediu. Sei que Deus vai me perdoar pelas coisas erradas que fiz só para ajudar o senhor e sua esposa a melhorar de vida. Nas campanhas, briguei com amigos por sua causa. Amarguei a solidão justamente porque meus amigos de juventude - é, o senhor sabe que já fui jovem e tinha um corpo razoável - me abandonaram justamente porque tive que brigar com eles para defender o senhor.

O senhor sabe que o prefeito eleito não vai muito com a nossa cara. Está revelando que vai dar uma banana para todos nós e ainda, lá na frente, nos acusar de corruptos. É um oportunista. Eu disse ao senhor que ele não era da confiança do nosso grupo. Mas enfim, é a política. O senhor mesmo, me desculpe, deu a volta em Garotinho. Claro que ele merecia. Agora está morto politicamente graças ao senhor. Mas o seu sucessor não vai facilitar em nada a nossa vida.

Por isso mesmo peço que faça algo por mim, pois se não o fizer, estarei na rua da amargura. O senhor sabe que sempre fui independente e nunca tive nada. Fiz jornalismo, mas jornalismo não dá dinheiro. Não passei em concurso público e desde o primeiro governo Garotinho, exerço cargo de confiança. Não tenho segurança nenhuma.

Por isso, preciso que o senhor me efetive na prefeitura. Sei que é ilegal, mas com o Dr. Alex na procuradoria eu me ajeito bem. O senhor encaminha para ele um parecer favorável a um ofício meu e ele me efetiva. Assim, estarei segura, com um emprego para o resto da vida. E ficarei eternamente grata ao senhor.

Sei que é ilegal, mas já fizemos tanta coisa ilegal que mais uma não vai mudar nada. Além do mais, é tanta coisa grande que essa, de tão pequena, ninguém vai reparar. 

Com um apelo desses, o prefeito não resistiu. Nos últimos dias de seu mandato, deu o parecer favorável e enviou o processo para a Procuradoria. Alguns meses depois, a solicitante foi efetivada. A partir de então, passou a zombar de todo mundo, porque era "servidora de carreira". Para alguns, dizia que era concursada, zombando daqueles que eram contratados. 

Como ninguém expôs o fato, o crime foi esquecido. Claro que algumas pessoas, indignadas, pensaram: "vamos fazer o mesmo". Mas o prefeito já não era o mesmo. E hoje, passados alguns anos, a efetivada prega a moralidade, denuncia o que supõe ser erro de secretários, prefeita, líderes políticos, vereadores. E ninguém faz nada. Será por que?  

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