Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







sábado, 23 de janeiro de 2016

Densidade demográfica e pobreza. Nada a ver.

Alguém me disse, há dias, o que grande parte das pessoas dizem, por falta de conhecimento suficiente para externar argumentos válidos. Em verdade, o dito da grande maioria da humanidade está alicerçado na opinião que, sem argumento com base apenas na informação e não em conhecimento, é lixo. Pois bem, alguém me disse que Noruega, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Suiça, Holanda, países que, embora não tenham a nossa riqueza, são organizados e a população vive infinitamente melhor que nós, o são porque suas densidades demográficas são ínfimas, se comparadas às do Brasil, EUA, Índia, China e alguns outros, que têm problemas graves devido à pobreza e miséria.  

Contra-argumentei dizendo que o Haiti, a Bolívia, o Paraguai e tantos outros países têm populações diminutas e são muito pobres. 

Agora, aproveito a conversa que mais pareceu papo de botequim, para dizer que o Brasil, no início da República, tinha pouco mais de 17 milhões de habitantes e a maioria era miserável. Na época de Nilo Peçanha, 1909/1910, a população brasileira era de 23 milhões e a maioria era miserável. Em 1920, o censo demográfico registrou 30 milhões. E a grande maioria na miséria. Na era Juscelino, o Brasil não tinha mais que 60 milhões de habitantes. A maioria na miséria. Em 1970, todos se lembram dos "90 milhões em ação". E a grande maioria na pobreza e na miséria. 

Agora, temos 200 milhões de pessoas, com uma classe média importante e um consumo exacerbado, o que revela que o crescimento da economia gerou uma divisão de renda que permitiu que os dados invertessem. Agora, são 40 por cento que estão na pobreza e na miséria. Ou seja, não é o tamanho do país ou o número de habitantes que são responsáveis por uma vida boa ou ruim para a grande maioria. É a divisão de renda. São leis que evitem o enriquecimento ilimitado de alguns em detrimento de milhões de pessoas. 

No Brasil, um país riquíssimo, faltam leis que acabem com o direito à herança. Se não em 100%, pelo menos em 70%; lei de remessa de lucros, limitando a saída de dinheiro das filiais para suas matrizes; imposto sobre fortunas; desvinculação dos juros estabelecidos para controle da economia dos juros pagos relativos à dívida interna que consomem, hoje, quase a metade do montante arrecadado em impostos pelo governo. Claro que muitas outras medidas deverão ser adotadas, como a federalização da educação, o aumento do salário mínimo de acordo com os dados do DIEESE e das mais diversas categorias profissionais que, ainda hoje, recebem muito menos que o mínimo estabelecido por Vargas.

Sei que ainda é um sonho. Ainda mais com uma parte da população pobre fazendo coro com as elites, que desejam o Estado apenas para elas, para seus subsídios, para os empréstimos a fundo perdido ou quase... ao mesmo tempo que pressionam para que tenhamos um estado mínimo. Um paradoxo que, para as elites, soa como "normal". E que muitos pobres, principalmente a desmemoriada classe média, desejam. Ou a mídia fazem com que desejem, já que grande parte é constituída de videotas. 

Esperar que as elites promovam as reformas para que o sonho se torne realidade, é acreditar em deuses e contos da carochinha. Uma revolução operária e/ou proletária é praticamente impossível. Então, realmente, não sei o que poderá ser feito. Os professores, que deveriam desempenhar importante papel na conscientização dos jovens, são, em quase sua totalidade, videotas. As classes desejam melhorias para elas - todas elas - e se, satisfeitas, não se interessam pelos outros. São sistêmicas e despolitizadas. 

É isso.   


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

São Sebastião, a história de um mártir

Amanhã, dia 20, é dia de São Sebastião, com as festividades no distrito homônimo na Baixada. Se no Rio de Janeiro o santo ganhou feriado, por aqui anda meio esquecido, na sombra de Santo Amaro. Para quem se interessa pelas histórias ou lendas cristãs, a leitura do texto abaixo é interessante. Registre-se que as comemorações a São Sebastião começaram em 1786, sendo uma das mais antigas festas religiosas de Campos.   

Sebastião
Cristão da Era dos Mártires
           

O cristianismo foi transformado e solidificado por intermédio de Saul (ou Saulo, nome judeu) ou Paulo (nome romano), da cidade de Tarso, região da Cilícia, território da Turquia. Saulo (ou Paulo) era um pensador que, após perseguir os cristãos, abraçou a causa de Joshua ou Jesus, de Nazaré, e fez as alterações necessárias à fundamentação de uma religião, mantendo a base das pregações originais daquele homem que condenava a escravidão e a riqueza. O cristianismo de Paulo, porém, além de não condenar a riqueza, admitia a escravidão. Com Paulo o cristianismo cresceu tanto que seus opositores sentiram-se ameaçados; e as perseguições aos cristãos foram se intensificando.

            Durante os últimos anos do império de Diocleciano (284 a 311), a perseguição aos cristãos foi implacável. Diocleciano organizou a monarquia no mais extremo absolutismo, abolindo os últimos vestígios republicanos. Foi o primeiro imperador que revestiu-se com uma capa de terror e, à maneira dos monarcas orientais, exigia veneração à sua figura; qualquer um que se negasse a se sacrificar por ele era perseguido e sofria pressões de toda ordem, inclusive tortura e morte.

            Galério, militar que governava as províncias orientais, era um dos mais terríveis perseguidores de cristãos. Chegou a propor a Diocleciano que todo aquele que se recusasse aos sacrifícios em nome do imperador fosse queimado vivo. Diocleciano não queria tanto, mas infligiu aos cristãos “penalidades rigorosas e eficazes” (Wells. H.G. Livro 2, páginas 261/262). De fato, Diocleciano decretou que os templos dos cristãos fossem demolidos “até os alicerces” e que fossem punidos com pena de morte todos os suspeitos de celebrar reuniões secretas para o fim de culto religioso. Os filósofos que dirigiram a perseguição ao cristianismo sugeriram que os bispos e presbíteros entregassem todos os livros considerados sagrados aos magistrados, para que fossem queimados em praça pública. Diocleciano decretou também o imediato confisco de todos os bens da religião, que foram vendidos em leilão ou unidos ao domínio imperial.

            Mas os cristãos continuaram resistindo, reunindo-se às escondidas. Diocleciano decretou, então, que todo aquele que rejeitasse a religião da Natureza, de Roma e dos seus antepassados fosse submetido “às mais intoleráveis e ásperas condições” (Wells, Op. cit.). Os cristãos nascidos livres foram declarados incapazes de ter quaisquer honras ou exercer quaisquer empregos. Os escravos foram privados para sempre de quaisquer esperanças de liberdade. Os cristãos foram colocados fora da lei. Os juízes foram autorizados a determinar toda e qualquer ação solicitada contra os cristãos. Já estes não poderiam se queixar de absolutamente nada. Quando este edito (decreto) foi afixado em Nicomédia, um cristão o arrancou, rasgou e discursou contra o imperador. Foi preso e assado a fogo lento, para servir de exemplo. A história não registrou o nome daquele mártir. A partir da rebeldia desse cristão, a perseguição tornou-se mais feroz, cruel. E iniciou-se a Era dos Mártires, que foi do ano de 303 ao ano 311, época em que, por qualquer motivo, cristãos eram torturados e mortos.

            Acabaram-se as perseguições e os martírios quando Constantino assumiu parte do poder, em 312, adotando medidas de proteção aos cristãos e, em 324, já como imperador, estabeleceu, como religião oficial, o cristianismo. Foi um golpe duro nos seus pares e em todos aqueles que se acostumaram a humilhar e roubar os que deles discordassem, principalmente as pessoas acusadas de estarem ligadas à seita cristã. No leito de morte, Constantino converteu-se ao cristianismo.

            Sebastião foi um desses mártires que preferiram morrer a negar a sua fé no Deus cristão. Soldado e servidor do Império, em Milão, foi nomeado, por seu valor, capitão da primeira Corte da Guarda Pretoriana (ou seja, a Guarda do Imperador). Mas Sebastião negou-se a cumprir determinadas ordens do imperador contra os cristãos e, inquirido, confessou ser um cristão. Diocleciano, que nutria admiração por ele, aconselhou-o a negar sua fé. Sebastião manteve-se firme e acabou destituído da Guarda e entregue a um pelotão para ser torturado e morto.  Considerado traidor, Sebastião foi espancado, amarrado num tronco e alvejado várias vezes com flechas. Sangrando muito, foi deixado no tronco, ou porque pensassem os soldados que ele estava morto, ou para que morresse lentamente. No entanto, uma mulher, Irene, esposa de um mártir (Cástulo), passando pelo local, decidiu retirar o corpo de Sebastião e sepultá-lo. Surpresa, constatou que ele ainda estava vivo. Tratou dele e, tempos depois, estava Sebastião novamente desafiando o imperador e seu séquito.

            Preso novamente, Sebastião, por ordem do imperador, foi espancado até a morte. Alguns religiosos dizem que ele foi morto a pauladas. O fato é que Sebastião foi torturado até a morte, mas não negou a sua fé nem a sua religião. O ano de sua morte, segundo a Igreja, é 303. No entanto, não há registros que confirmem esta data, o que gera dúvidas quanto à morte de Sebastião e de outros cristãos.  A Igreja tem sua própria história e este trabalho não pretende colocar em xeque os registros eclesiásticos. Antes, pretende registrar a fé no sagrado, representado pela figura de São Sebastião, preservando os fatos nos quais os cristãos acreditam. Crença tão forte que atravessa os séculos e chega vivificada ao terceiro milênio. 

            No livro O Santo do Dia, Dom Servílio Conti afirma ser 303 o ano do martírio de Sebastião. O militar foi sacrificado por não negar sua fé e proteger os cristãos e, por isso, foi santificado pela Igreja Católica, que se tornou religião oficial pouco tempo depois, em 325, quando foi realizado o primeiro Concílio Geral (ecumênico) do mundo cristão, sob o império de Constantino.

            No Cânon dos Mártires ou Martirológio Romano (local em Roma com o nome dos mártires e a história de seus martírios) consta o nome de Sebastião, inscrito em 354, data provável de sua santificação. A imagem conhecida e cultuada de São Sebastião (do seu corpo amarrado a um tronco de árvore e flechado) foi imortalizada pelos pintores da Renascença.

            Não há provas, mas teria sido Santo Ambrósio que escreveu sobre Sebastião. Segundo ele, Sebastião nasceu em Narbona, Milão, onde também estudou. Não gostaria de ser militar, mas na tentativa de defender os cristãos, ingressou no exército, em Roma, ainda no tempo do imperador Carino, em 283 d.C. Este imperador foi morto por Diocleciano, que assumiu o poder. Admirador de Sebastião por sua coragem e bravura, Diocleciano nomeou-o centurião (do latim centurione que significa comandante de uma centúria, uma companhia de 100 soldados da milícia romana) de uma guarda pretoriana (do latim praetorianu, guarda dos imperadores da Roma antiga), uma grande honra para qualquer soldado. Diocleciano foi para o Oriente e deixou em seu lugar seu  amigo Maximiano, que também admirava Sebastião por sua lealdade e bravura.

            Todavia, as perseguições aos cristãos tornavam-se cada vez mais intensas. O papa Caio, eleito em 283, foi perseguido em Roma e escondeu-se no Palácio Imperial, nos aposentos de Cástulo. Mas os romanos, comandados por Maximiano, prenderam os cristãos confessos e torturou-os até a morte. Assim foi com uma mulher chamada Zoé, que foi pendurada pelos calcanhares sobre uma fogueira e morreu sufocada pela fumaça; Tranquilino foi apedrejado até a morte; Nicóstrato, Cláudio, Castório e Vitorino foram presos, torturados e lançados ao mar; Tibúrcio foi decapitado; Cástulo, traído por um amigo, acabou preso e enterrado vivo; Marcos e Marceliano foram pregados pelos pés, de cabeça para baixo, numa árvore; em seguida, assassinados a flechadas.

            Contra essas atrocidades lutara Sebastião, que tentava, a todo custo, proteger seus irmãos de fé. Mas a proteção aos cristãos custou sua vida. Diocleciano, ao saber que Sebastião ajudava os cristãos censurou-lhe e entregou-o aos arqueiros da Mauritânia para ser executado. Dado como morto, foi, no entanto, salvo pela viúva de Cástulo. Recuperado, em vez de fugir voltou a ocupar seu posto na guarda pretoriana e discutiu com Diocleciano. Este, após a surpresa (pois o considerava morto), chamou os guardas e ordenou-lhes que espancassem Sebastião até a morte. Seu corpo foi sepultado por uma moça chamada Lucina num lugar denominado ad catacumbas, onde depois foi erigida a Basílica de São Sebastião. Estes dados foram recolhidos por Butler que escreveu o livro Vida dos Santos (Volume I, páginas 173-175). O autor, no entanto, não afirma ser verdade os fatos narrados em minúcias. Mas não tem dúvida de que Sebastião foi martirizado por ordem de Diocleciano e sepultado na Via Ápia, bem próximo onde depois foi erguida a Basílica de São Sebastião, no cemitério ad catacumbas.

            No que tange a representação de São Sebastião trespassado por flechas, Butler diz que “tal fato se deve aos artistas da Baixa Idade Média”; e relata que um mosaico, provavelmente do ano 680, existente em San Pietro Vincoli, mostra São Sebastião de barba, levando em uma das mãos uma coroa de martírio. E que em um vitral da catedral de Estrasburgo o santo aparece como um cavaleiro com espada e escudo, mas sem flecha. O que se sabe é que há uma lenda segundo a qual São Sebastião enfrentou bravamente uma nuvem de flechas, sem sofrer um arranhão; por isso, passou a ser patrono de arqueiros e soldados. O santo também era invocado contra doenças contagiosas e contra pragas. 


            Sebastião é homenageado e festejado pelos devotos no dia 20 de janeiro. Além da própria cidade do Rio de Janeiro, muitas igrejas e paróquias no Brasil têm São Sebastião como padroeiro. Em Campos a primeira capela em seu louvor foi erguida na localidade que recebeu o seu nome e consta que é a segunda mais antiga da Baixada Campista. Lá, o santo é festejado desde 1786, sendo uma das mais antigas manifestações religiosas do município e do país.
(Trecho do meu trabalho sobre São Sebastião que espera por impressão)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Quem foi Santo Amaro, o santo dos milagres?

Amanha, 15 de janeiro de 2016, é dia de Santo Amaro e feriado municipal. Os milhares de peregrinos, partindo de diversos pontos da cidade e dos distritos, e, ainda, de outros municípios, fazem a caminhada até a igreja de Santo Amaro. Chegam à noite e durante toda a madrugada, até o amanhecer. 

Eu escrevi a história do santo, da igreja, do distrito, da festa, da cavalhada e da peregrinação, entre os anos de 2000 e 2002, com o auxílio de Viviane Terra e Sylvia Márcia Paes, principalmente. Mas não consegui publicar o trabalho, que é recheado de fotos e seria o primeiro livro sobre o assunto. Na esperança de um dia poder publicá-lo, posto, hoje, um trecho para aqueles que se interessam por nossa história. 

Amaro, o santo      


Em geral as pessoas comuns não possuem registros capazes de causar interesse à história e aos historiadores. Quando se tornam notórias, seja na política, na religião, nas artes ou quaisquer outras atividades públicas ou de interesse das comunidades, passam a fazer parte da história; e do passado são registrados o que importa a esse ou aquele segmento. Por isso, quando se busca o passado de pessoas comuns que ganharam notoriedade na vida adulta, fantasia-se, cria-se lendas e, de concreto, pouco se tem de verdade. Assim era e assim é.

            Nesta empreitada, quando tratamos das figuras que foram santificadas pela Igreja Católica, que são adoradas pelos mais diversos grupamentos e que, antes de realizarem as proezas que as tornaram objeto de estudo por parte do catolicismo ou cristianismo oficial eram figuras simples, do povo, praticamente não há registros que possamos considerar. Vale, para a história, a narrativa dos que vieram depois. Um exemplo ocidental é a vida de Jesus. Nem a Igreja sabe de sua vida até o início de sua pregação de um hipotético Reino dos Céus e de um Deus que salvaria os justos os quais teriam a vida eterna. Muitos registros de suas andanças e pregações foram feitos por pessoas que sequer o conheceram, como Lucas, Marcos e Paulo.

            Assim também ocorreu com uma infinidade de profetas, pensadores e teólogos. Para nós, no presente trabalho, seria interessante a vida de Amaro (ou Mauro, seu nome verdadeiro), antes dele se tornar um dos maiores discípulos de Bento e que abandonou sua vida “mundana” para viver enclausurado num mosteiro. Quem escreveu sobre Mauro, o abade (Importante o adjetivo abade porque existem outros Mauros também canonizados) foi Gregório, que também era discípulo de Bento e, ao que parece, viveu algum tempo com Mauro, num mosteiro, sob a liderança de Bento. Gregório, que foi cognominado Gregório I, o Grande, quando se tornou Papa no ano 590, sendo o primeiro monge a chegar àquela condição, governou Roma como um rei independente, organizando exércitos e impondo as regras beneditinas sobre o monastério latino. Admirador de Mauro, dizia que ele era de uma família senatorial romana e seu pai chamava-se Equício ou Equitius. 

Também um monge de nome Fausto, colega de Mauro no mosteiro de Monte Cassino, escreveu sobre ele enquanto seguidor de Bento. Dessa forma, nada sabemos de Mauro antes dele ser discípulo predileto de Bento. De qualquer maneira, importa pouco sua vida pregressa, pois, de família abastada ou razoavelmente abastada, foi educado em casa, de onde saiu, levado pelo pai, para o clausuro.

            Quando Bento (que viveu entre os anos 480 e 544 d.C.), nascido “de boa família” da cidade de Spoleto, na Itália, decidiu-se à vida religiosa, afastou-se de Roma e, a umas cinquenta milhas, estabeleceu-se na cidade de Subíaco, dentro de um palácio abandonado, construído pelo Imperador Nero, em meio a uma floresta. Fixou-se ali, numa caverna próxima a uma corrente d’água artificial, a partir do represamento de um rio, em local íngreme. Até os alimentos que um  admirador lhe mandava, era-lhe fornecido por meio de cordas que desciam os sacos cheios de produtos até a entrada da caverna. A vida recolhida de Bento foi comentada na cidade e nas aldeias e, em pouco tempo, muitos jovens se interessaram por ele e seguiram até Subíaco para tornarem-se seguidores daquele homem que abandonou tudo para viver como monge. Um desses jovens e que foi levado pelo pai “para ser educado por Bento”, era Mauro.

            Quando Bento deixou Subíaco e estabeleceu-se em Monte Cassino (próximo a Nápolis, um pouco mais distante de Roma) Mauro o seguiu, tendo sido o primeiro superior e administrador do famoso mosteiro. Seu colega Fausto o descreve como “homem de grande virtude, modelo de obediência, humildade, caridade e austero consigo mesmo”. No ano de 535, Bento foi solicitado a abrir um mosteiro na França e escolheu para essa missão pioneira o abade Mauro. O mosteiro, fundado por ele, de nome Glanfeuil, tornou-se célebre. Anos depois, uma aldeia formou-se ao seu redor e foi denominada São Mauro. A criação do Mosteiro de Glanfeuil foi o início da expansão dos mosteiros beneditinos por toda a Europa. Mauro faleceu no Mosteiro de Glanfeuil, no dia 15 de janeiro de 567. Em sua honra surgiram muitas igrejas por toda a Europa. Atribuía-se a ele muitos milagres. 

Quando a congregação beneditina veio para a Capitania de São Thomé assumir um quinhão das terras então pertencentes aos herdeiros dos Sete Capitães, na Baixada já existiam fazendas de criadores de gado cavalar e vacum. Os beneditinos construíram um mosteiro (Mosteiro de São Bento) em Campo Limpo (hoje, distrito de Mussurepe) e fizeram espargir suas idéias pela planície no final do século XVII, após receberem, em doação, em 1648, numa escritura polêmica que passava as terras dos herdeiros dos Sete Capitães para o general Salvador Corrêa de Sá e Benevides, os jesuítas, os beneditinos e um tal capitão Pedro de Souza Pereira, amigo de Salvador Corrêa.

            A menor parte coube aos beneditinos. Porém, era uma enorme propriedade, compreendendo muitos quilômetros de terra. Terra que aumentava porque muitos colonizadores deixavam como legado para a congregação parte de suas propriedades, em seus testamentos. Os beneditinos possuíam terras nas localidades de Mulaco, Algodoeiro, Ciprião, Babosa, Bananeiras, Mussurepe, Taí, São Sebastião e São Bento. Depois da expulsão dos jesuítas, que dominavam outra imensa área de terra à direita da Estrada do Açúcar, os beneditinos estenderam seus domínios às localidades de Retiro, Caboio, Olhos Dágua, São Martinho, Pitangueiras e Santo Amaro.

            Também possuíram terras na cidade, incluindo parte do que é hoje o Parque Leopoldina, o IPS (estrada do Capão), Queimado e Carvão. Ao redor do mosteiro surgiu um pequeno povoado e a localidade ficou conhecida (até hoje) como São Bento. Do mosteiro, os seguidores e devotos de Bento administravam as propriedades. Com o tempo, foram cedendo um lote de terra aqui, outro acolá, atendendo as necessidades das famílias que desejavam um pedaço de chão para residirem, cultivarem para o próprio alimento e criarem gado. No século XIX, o Mosteiro transferiu as propriedades para os posseiros e para os que desejavam comprar as terras.

Santo Amaro, a partir dos beneditinos, começou a fazer parte da crença do povo e entrou no folclore, sendo invocado contra enfermidades (principalmente), tornando-se um santo milagreiro, motivo pelo qual surgiu as caminhadas dos devotos até a igreja, na qual depositam seus ex-votos. O caminho de Santo Amaro tornou-se o ponto principal de peregrinação no Estado do Rio, não só para os fiéis, mas para turistas e pessoas de diversas localidades que fazem o percurso, principalmente depois de 2010, quando o poder público passou a tratar o Caminho de Santo Amaro como evento religioso/turístico dos mais importantes, não apenas do Estado, mas do país.

Breve histórico da Igreja


No século XVIII, mais precisamente em 1733, os beneditinos ergueram uma capela em homenagem a Santo Amaro, atendendo pedido dos devotos. Há uma lenda que diz que a imagem do santo, que chegou com os beneditinos no final do século XVII, desapareceu do mosteiro e surgiu num pequeno monte no  povoado mais tarde denominado Santo Amaro. Os seguidores de Bento foram lá, resgataram a imagem e levaram-na para o mosteiro. Mas, pouco tempo depois, a imagem voltou a desaparecer e surgiu no mesmo local onde seus devotos a haviam encontrado anteriormente. Os beneditinos então decidiram construir ali uma capela e depositar no altar a imagem do santo. Em 1739, a capela foi reerguida. Em 1795, uma nova capela foi construída no mesmo local, segundo dados da Empresa Brasileira de Turismo. E entre 1854 e 1857, foi erguida a igreja atual, sem as torres. Mais tarde, Dom Bonifácio Plum mandou erguer uma torre. Em 1945, a igreja foi reformada e ganhou mais uma torre.

            Em 1964, o velho altar, que estava em ruínas, foi substituído por um novo. O novo altar foi produto de uma campanha deflagrada pelo devoto e natural do distrito, Waldir de Carvalho, que  usou seu programa na rádio Jornal Fluminense para arrecadar fundos e adquirir as peças. Ele próprio foi encarregado de contratar um empreiteiro, o que fez em abril de 1963, firmando contrato com Otílio Castro. O altar foi contratado por 250 mil cruzeiros. A planta foi elaborada pelo renomado artista Francisco Arueira, que respeitou as “exigências históricas” da arquitetura. Todo trabalho foi aprovado pelos beneditinos.

            A inauguração do novo altar para a Igreja de Santo Amaro ocorreu no dia 15 de janeiro de 1964. O convite para a festa e a inauguração foi assinado pelo radialista Waldir de Carvalho e pela direção da rádio. (Carvalho, Vol. II, páginas 347/348).  A Igreja de Santo Amaro é um dos santuários mais antigos da Diocese de Campos e o primeiro da Baixada.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Crime e Castigo na Europa nórdica como exemplo

Meu querido amigo Paulo André Netto Barbosa reproduziu matéria sobre o aluguel de celas em prisão holandesa. Fiz um comentário, até porque tenho dito, há décadas, que a criminalidade brasileira é, quase na totalidade, social. Os presos são pobres e miseráveis e a maioria, negra e semianalfabeta. Os que conseguem uma vida melhor, exercem atividades ilícitas e por curto espaço de tempo. A maioria das mortes por assassinato vitima pobres. 
A parte da Europa que resolveu os problemas sociais, embora capitalista (influenciada, porém, pelo socialismo), registra um índice de criminalidade baixíssimo se comprado a países ricos como os EUA, por exemplo e, mesmo como o Brasil, que é rico com uma metade quase miserável (é a Belíndia - meio Bélgica, meio Índia, como diziam os nossos economistas da década de 1970). 

Assim é que reproduzo, aqui, parte de um artigo do site jurídico conjur.com,br:

Os EUA têm 730 prisioneiros por 100 mil habitantes. Essa taxa é bem menor nos países escandinavos: Suécia (70 presos/100 mil habitantes), Noruega (73/100 mil) e Dinamarca (74/100 mil). Mais ao Sul, a europeia Holanda tem uma taxa de 87/100 mil, e uma situação peculiar: o sistema penitenciário do país tem "capacidade ociosa" e celas estão disponíveis para aluguel. 

Prisão de Halden como exemplo (as dos outros países da região são similares):  

A construção da prisão de Halden foi concluída com obras do artista grafiteiro Dolk em um muro do pátio etoilettes, que incluiu mais de R$ 2 milhões no orçamento. As paredes dos corredores do prédio são cobertas por quadros enormes, de flores a ruas de Paris, e azulejos de Marrocos. A prisão foi construída em uma área de floresta, em blocos que "servem de modelo ao chique minimalista", descreve a BBC. A prisão já ganhou prêmios de "melhor design interior", com uma decoração que tem mesas de laminado branco, sofás de couro tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prédio (Clique aqui para ver as fotos). 
A prisão tem ainda estúdio de gravação de músicas, ampla biblioteca, chalés para os detentos receberem visitas da família, ginásio de esporte, com parede para escalar, campo de futebol e oficinas de trabalho para os presos. Tem trabalho (com uma pequena remuneração), cursos de formação profissional, cursos educacionais (como aulas de inglês para presos estrangeiros, porque os noruegueses em Halden já são todos fluentes). No entanto, a musculação não é um esporte permitido porque, segundo os noruegueses, desperta a agressividade nas pessoas. Promover muitas atividades esportivas, educacionais e de trabalho aos detentos é uma estratégia. "Presos que ficam trancados, sem fazer nada, o dia inteiro, se tornam muito agressivos", explica o governador da prisão de Halden, Are Hoidal. "Não me lembro da última vez que ocorreu uma briga por aqui", afirma. 
Dizer que o um criminoso já está atrás das grades pode ser uma afirmação falsa. As celas da prisão de Halden não têm grades. Têm amplas janelas, com vistas para a floresta, e bastante luminosidade. As celas individuais são relativamente maiores do que a de muitos hotéis europeus, têm uma boa cama, banheiro com vaso sanitário decente, chuveiro, toalhas brancas grandes e macias e porta. Tem, ainda, televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário de pinho, quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Os jornais dizem que, de uma maneira geral, são acomodações bem melhores do que quartos para estudantes universitários nos EUA. E é normal que prisioneiros portem suas próprias chaves. As celas são separadas em blocos: oito celas em cada bloco (os blocos mantêm separados, por exemplo, os estupradores e pedófilos que, também na Noruega, não são perdoados pelos demais detentos). 
Cada bloco tem sua cozinha. A comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos próprios detentos. Eles podem comprar ingredientes na loja da prisão para refeições especiais. Podem comprar, por exemplo, de pasta de wasabi para fazer sushi a carne de primeira (por R$ 119 o quilo), com contribuições de todos que se sentam à mesa — normalmente, grupos de dez. Os livros mais emprestados na biblioteca de Halden são os de culinária. Os presos também podem ir à loja para reabastecer suas geladeiras nas celas com iogurtes e queijos, por exemplo. No restaurante, membros do staff da prisão (incluindo os graduados), sempre desarmados, sentam-se à mesa com os presidiários. 
Para cuidar de 245 detentos, os 340 "membros do staff" passaram por dois anos de preparação para o cargo em uma faculdade, no mínimo. E entre eles, há profissionais da saúde e professores. São homens e mulheres, ainda jovens, que percorrem "sorridentes" o campus da prisão de Halden em scooters modernos, de duas rodas, com funções bem definidas, como as de coordenar as atividades e servir de orientadores, motivadores e modelos para os detentos, diz o governador da prisão. Uma das obrigações fundamentais de todos os membros do staff, a começar pelo governador, é mostrar respeito às pessoas que estão ali, em todas as situações. A equipe entende que ao mostrar muito respeito ao detento, ele vai aprender a se respeitar. Quando isso acontecer, ele vai estar preparado para respeitar os outros. 
"Fundamentalmente, acreditamos que a reabilitação do prisioneiro deve começar no dia em que ele chega à prisão", explicou a ministra júnior da Justiça da Noruega, Kristin Bergersen, à BBC. "A reabilitação do preso é do maior interesse público, em termos de segurança", disse.