Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







sexta-feira, 23 de maio de 2014

José Cândido, o jornalista que poucos conhecem



Artigo escrito originalmente para o jornal da AIC
Quando se comemora o centenário de nascimento de José cândido de Carvalho, quarto imortal da Academia Brasileira de Letras e o maior expoente das nossas letras, tendo alcançado parte do mundo com apenas dois romances que escreveu durante toda sua vida – o terceiro, Rei Baltazar, ele não chegou a concluir – um dado importante parece escapar aos escribas daqui, ali e alhures: Zé Cândido era, antes de tudo, jornalista.

Para fazer gosto ao pai, Zé Cândido formou-se em advocacia. Desistiu da profissão logo no primeiro caso. Prezava tanto o diploma de advogado que perdeu-o. Porém, amava o jornalismo. Desde os tempos de rapaz (16 anos) atuava em jornais. Primeiro, como revisor em O Liberal que, segundo o próprio Zé Cândido, “era um jornalzinho de cavação, picaretinha” que, depois, “veio a morrer de fome, coitadinho, na beira da calçada”.

Depois, “vendo que não dava para nada, eu digo: eu vou dar para alguma coisa. Então, vou escrever”, conta o imortal campista para a jornalista Maria Cláudia, em depoimento para a Academia Brasileira de Letras, em 1987, dois anos antes de falecer. 

Brinca: “escrevia por necessidade, porque eu não gosto de escrever. Acho escrever horroroso. Até hoje, acho escrever uma coisa chatérrima, É uma violação. Eu escrevo porque preciso”. Ele também se dizia um escritor copioso: “quer dizer, um escritor torrencial, que bota o papel na máquina – tá, tá, tá, tá – e dali a pouco está um livro. De jeito nenhum. Não dá pra mim. Para eu fazer um livro é uma desgraça. Eu morro em cima do livro. Faço uma página, no dia seguinte não gosto, volto a fazer. Daí você vê, eu publiquei o Coronel em 1964 e,  25 anos antes, eu tinha escrito esse pequeno romance Olha para o céu, Frederico!. Então, de 25 em 25 anos eu escrevo um livro...”

Entre 1930 (quando tinha 16 anos) e 1937, José Cândido de Carvalho trabalhou no já dito Liberal, na Folha do Commercio, O Dia, Gazeta do Povo e Monitor Campista. Casou-se em 1936 e, em 1937, nasce sua primeira filha, Laura Lione. Vai para o Rio de Janeiro e, convidado pelo filho de Alzira Vargas, Vargas Neto (neto de Getúlio Vargas que, naquele ano, impõe ao povo brasileiro uma ditadura), inicia suas atividades na capital, como jornalista de A Noite, jornal com quatro edições diárias.
Tendo como diretor do jornal o português Vasco Lima, amigo dos Vargas, José Cândido tornou-se um notório jornalista, com sua maneira peculiar (única) de entrevistar. Observava o entrevistado, o ambiente ao redor e escrevia suas impressões. Os curiosos poderão ler Ninguém Mata o Arco-Iris, livro de entrevistas escolhidas entre as centenas escritas por ele nos jornais que atuou, inclusive como editor da revista O Cruzeiro.

Um exemplo de quando o jornalismo ainda tinha estilo, nos dá José Cândido. Ao entrevistar, em 1967, Chico Buarque, no auge a fama de A Banda, escreveu o papa goiaba: “agora, com o estrelato a tiracolo, Chico não mora mais em São Paulo nem no Rio. Em verdade, não mora. Circula. Tem apartamento na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. É uma peça simples, sem prosopopeias, muito ao jeito do seu dono. Visto assim sem cartão de visita, Chico parece feito tecnicolor: tem olhos verdes e sol de praia no rosto. Vou falando com ele, Chico de 1967. Enquanto afina o violão, diz: _ tenho uma conversa chata que é uma beleza!...

Cá entre nós, o que Chico não tem é conversa. Fala aos pouquinhos, como quem quer poupar palavras. E gosta de passar as mãos sobre os cabelos. Dou uma olhadela pelo seu pequeno mundo de cimento armado. Vejo na parede um retrato a carvão de um certo político brasileiro. _ Admiração, Chico? _ Não. Raiva.

Chico, como a Bíblia, diz que há tempo para tudo. Já houve nele o tempo de Bach. Agora, chegou o tempo de Beethoven. E é fumando cigarros Luis XV que ele fala do homem da Sonata ao Luar. Fala manso, talvez para não espantar Beethoven, que está derramado em seu sofá em forma de disco.
Da rua, sem pedir licença, vem uma rajada intrometida de iê-iê-iê. Beethoven aproveita a ocasião para ir embora. Chico não gosta de iê-iê-iê, mas não tem raiva dos que gostam dessa orquestra de gatos. Compreende. E até acha preferível Roberto Carlos a Elvis Presley. Justifica: _ Pelo menos esse é brasileiro. A gente não precisa consumir dólares com ele. Chico não diz, mas, pelo jeito, gostaria de passar pelo moedor de carne todo o iê-iê-iê da praça”.  

Como hoje, via de regra, jornalismo não paga mais que o aluguel, e José Cândido tornou-se assessor político. Foi servir a Amaral Peixoto, genro de Vargas e comandante da política fluminense. Foi também redator do Departamento Nacional do Café. Mas não perdeu o vínculo com o jornal A Noite e, ainda, assumiu em 1942 a redação do jornal O Estado. Em 1957, A Noite encerrou suas atividades e José Cândido foi convidado e assumiu o copidesque da revista O Cruzeiro, à época, a de maior circulação no país. Logo depois, assume o lugar de Odylo Costa, filho, como editor internacional da revista.  Tornou-se, também, colaborador do Jornal do Brasil, onde escrevia crônicas. Escreveu na revista A Cigarra, a convite de Herberto Sales. 

Quando saiu de Santa Teresa e foi morar no bairro do Fonseca, em Niterói, elaborou seu romance O Coronel e o Lobisomem, que lançou em 1964. Porém, fez amizade com o Alberto Torres, dono de O Fluminense, jornal de circulação estadual com sucursais em vários municípios, inclusive em Campos. Passou a escrever para o jornal e, anos depois, para o Monitor Campista, A Notícia, de seu amigo Hervé Salgado, e a Folha da Manhã, fundado em 1978. 

Enfim, o José Cândido, filho único de Bonifácio de Carvalho e Maria Cândido de Carvalho, nascido em Campos por acaso (já na barriga da mãe, ia para a Ilha da Madeira quando uma revolta dos negros da ilha forçou seus pais a atravessar o Atlântico e vir morar em Campos, onde residia um irmão de seu pai), na véspera de São Salvador, 05 de agosto e no dia da eclosão da I Grande Guerra, foi um grande jornalista. E, nas comemorações de seu centenário de nascimento, recebe de seus colegas de imprensa, esta matéria como homenagem.
Avelino Ferreira
(A interessante história de José Cândido encontra-se unicamente no livro que escrevi sobre ele: José Cândido de Carvalho, Vida e Obra e que será lançado, em segunda edição, nesta sexta, às 17:30, no estande da AIC na Bienal)

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