Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







terça-feira, 22 de março de 2016

Aniversário de Campos? Alto lá!

Mais uma vez, como ocorre todos os anos, leio e ouço falar em "aniversário de Campos", umja alusão ao dia 28 de março. O absurdo é tamanho que não me contenho e, como sempre, há 36 anos, busco o debate sobre a datação histórica. Ouço também "emancipação" que alguns jornalistas e radialistas teimam em dizer, por desconhecimento da nossa história. Aliás, poucos conhecem a história do município. Enfim, lá vai um texto grande, mas é para poucos...

Campos, 181 ou 484 anos?

O rei de Portugal, Dom João III, decide dividir as terras abaixo da linha do Equador dois anos depois do descobrimento do Brasil. No dia 28 de setembro de 1532, a Terra de Santa Cruz foi dividida em 14 capitanias hereditárias, que foram doadas a fidalgos e comerciantes para povoamento e proteção da costa. Registre-se que, em 1504, a Ilha de Fernando de Noronha, como capitania hereditária, havia sido criada e doada a Fernão de Magalhães. Portanto, em 1532 o rei cria 14 capitanias, totalizando, com a primeira, 15.  

A certidão de nascimento de Campos, enquanto capitania de São Thomé, é desta data, ou seja, 28 de setembro de 1532.  Mas a doação da capitania só ocorreu em 1536. E media trinta léguas no sentido norte/sul, beirando a costa, entre os rios Managé (hoje Itabapoana) e Macaé, em cujo limite, a oeste, encontram-se as terras de Minas Gerais, ao norte/noroeste, o Espírito Santo e, por óbvio, a leste, o Oceano Atlântico. Esta capitania foi doada a Pero de Góis da Silveira, em 28 de agosto de 1536.  

Registre-se que o Brasil tem seu nascimento em 22 de abril de 1500, quando os brancos puseram o pé em terra firme. Para os invasores, era uma ilha, que chamaram de Vera Cruz. Depois, Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil. Não ficaram aqui mais que alguns dias e a “nova terra” estava “batizada”, sem ainda o devido registro. No caso de Campos, todavia, a certidão de nascimento existe.

Como o Brasil, esses campos, que um dia foram dos goitacá, receberam outros nomes, como Capitania de São Thomé, Capitania da Paraíba do Sul, Vila de Sam Salvador dos Campos, até a definição como Campos dos Goytacazes. Depois, mudou para, apenas, Campos e, novamente, já na década de 1980, novamente Campos dos Goytacazes. Mas a troca de nomes não é fator relevante neste caso, como não o foi para o país nem para grande parte das cidades e estados que se orgulham de sua longevidade.

Creio que não se deve deixar de comemorar nossas datas importantes, como o 29 de maio e o 28 de março (datas da elevação à categoria de Vila e de Cidade, respectivamente), mas o aniversário, o nascimento, deve ser divulgado e comemorado como o fato mais importante. Com a datação de nascimento estabelecida, os fatos históricos ganham um sentido, uma lógica facilmente assimilável. Isso porque muita gente, inclusive professores, tratam o dia 28 de março como “aniversário” da cidade.

Tendo como registro de nascimento o 28 de setembro de 1532, pode-se falar do batismo em 1536 (carta de doação da capitania a Pero de Góis e de sua luta para colonizar a terra recebida). Em sequência, a destruição de sua propriedade; a tentativa de seu filho, Gil de Góis, de colonizar a terra recebida como herança; a doação das terras aos “sete capitães” em 1627; a demarcação das sesmarias em 1633 e sua divisão em grandes fazendas de gado; a negociação das terras com o general Salvador Corrêa de Sá e Benevides e algumas irmandades religiosas em 1648.

Como se não bastasse, há a criação da Câmara em 1652, quando ocorreu, em dezembro, a primeira eleição dos vereadores; Em seguida, a criação da Vila, em 1677, e as lutas travadas pelos heréos (herdeiros dos sete capitães) e confinantes (fazendeiros vizinhos), incluindo Benta Pereira e seus filhos, com as autoridades governamentais do Rio de Janeiro e de Portugal, até 1752, quando a capitania passa a ser, definitivamente, dos campistas; e a elevação à categoria de Cidade, em 1835, juntamente com Angra dos Reis e Niterói, municípios que comemoram suas datas de nascimento em 06 de janeiro de 1502 (quando apenas recebeu um nome: Ilha de Santos Reis) e em 22 de novembro de 1563, respectivamente.

Se seguíssemos a datação de Angra, o nascimento de Campos seria em 1501, quando foi avistado o cabo que recebeu o nome de São Thomé, na expedição de Gaspar de Lemos. Essa mesma expedição é que chegou a Angra em janeiro de 1502 e, como era dia 06 de janeiro, dia dos Santos Reis (os Reis Magos da mitologia cristã), a ilha foi denominada Ilha dos Santos Reis.

Há que se perguntar, então: como Angra dos Reis montou sua história a partir da denominação da ilha por uma expedição de reconhecimento e todos aceitam sem problema algum, mas garantindo razoabilidade a todos os fatos posteriores, e Campos, reconhecido meses antes, em junho de 1501, comemora 1835 como “aniversário”? A mesma pergunta pode ser feita quanto a Niterói, que comemorou em novembro de 2014, 451 anos de existência.

Para quem se interessar pelo debate, o texto abaixo, para início de conversa...
Em 1532, dom João III anuncia sua intenção de dividir a colônia em 15 amplas faixas de terra e entregá-las a nobres do reino, os capitães donatários, para povoá-las, explorá-las com recursos próprios e governá-las em nome da Coroa. Essas faixas são de largura bastante diversa, podendo variar de 150 km a 600 km, e estendem-se do litoral para o interior até a linha imaginária de Tordesilhas. Entre 1534 e 1536, dom João III implanta 14 capitanias, concedidas a 12 donatários, que se vieram somar àquela doada em 1504 a Fernão de Noronha pelo rei dom Manuel.

Capitanias hereditárias, Carta de d. João III sobre a colonização do Brasil
 "Lisboa, 28 de setembro de 1532
Martin Afonso amigo. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Vi as suas cartas que me escrevestes por João de Sousa, e por ele soube da vossa chegada a essa terra do Brasil, e como íeis correndo a costa, caminho do Rio da Prata, e assim, do que passastes com as naus francesas dos corsários, que tomastes, e tudo o que nisto fizestes, vos agradeço muito...

Depois de vossa partida se praticou, se seria meu serviço povoar-se toda esta costa do Brasil, e algumas pessoas me requeriam capitanias em terras dela.
Eu quisera antes de nisso fazer coisa alguma, esperar por vossa vinda para com vossa informação fazer, o que me bem parecer, e que na repartição, que disso se houver de fazer escolheis a melhor parte e, porém, porque depois fui informado, que de algumas partes faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil, considerando eu com quanto trabalho se lançaria fora a gente, que a povoasse depois de estar assentada na terra, e ter nela feitas algumas forças como já em Pernambuco começavam a fazer, segundo o Conde de Castanheira vos escrevera, determinei de mandar demarcar de Pernambuco até o rio da Prata cinqüenta léguas de costa a cada capitania e antes de dar a nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem léguas, e para Pero Lopes, vosso irmão, cinqüenta nos melhores limites desta costa por parecer de pilotos, e de outras pessoas por quem o Conde por meu mandado se informou, como vereis pelas doações que logo mandei fazer..."
 Fonte: GASMAN, Lydinéa. Documentos Históricos Brasileiros. Brasília: MEC/FENAME, 1976. 

Avelino Ferreira


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