Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







quarta-feira, 22 de junho de 2011

Artigo em forma de homenagem ao Brizola

Exiba 210620110...jpg na apresentação de slides
Brizola falando ao vivo para a Rádio Cidade, numa entrevista feita com Garotinho no Palácio Guanabara em junho de 1983. Como membro do Partido e companheiro, levei Garotinho (Walace Oliveira foi junto) para falar com o Brizola, que foi muito receptivo. Foi a primeira vez que Garotinho entrava no Palácio Guanabara e o primeiro encontro com o Brizola. Ninguém imaginava, então,  que Garotinho retornaria ao Palácio Guanabara como governador, em 1999. Na foto oficial (da esquerda para a direita) eu, Brizola, Garotinho e Walace

Abaixo, reproduzo um artigo que publiquei há cinco anos,

Dois anos sem Brizola


A gente não pensa na morte com naturalidade. Por isso, mesmo quando uma pessoa está com idade avançada, não a imaginamos morta. Quando ele morreu, me surpreendi com minha própria reação. Eu, que não sou dado a sentimentalismos, fiquei parado, olhando sem ver, pensando que existem pessoas que não deveriam morrer. E sem sentir, me peguei derramando lágrimas. Foi assim com tantas figuras que arriscaram a vida na defesa do povo brasileiro. Adão Pereira Nunes, Luis Carlos Prestes, Ivan Senra Pessanha, João de Souza, Irineu Marins, coincidentemente, todos ligados ao socialismo, vinculados ao PDT de Leonel Brizola e com os quais convivi.

Naquele momento, chorei pela morte de um dos maiores e mais importantes brasileiros. Sua morte me fez refletir sobre as três últimas décadas, quando uns poucos lutavam contra a ditadura, que havia calado os que estavam contra ela, com torturas e assassinatos. Entre esses poucos lá estava eu, ainda acreditando numa revolução cada vez mais distante. Pelo menos, pensava, a democracia seria uma realidade.

Brizola estava no Uruguai, mas temendo sua influência no Brasil, os nossos militares, que já haviam pedido ao Governo Uruguaio que não permitisse que Brizola ficasse próximo à fronteira (no que foram atendidos), solicitaram que ele fosse expulso. Novamente o Uruguai atendeu. Porém, por ironia, o presidente da América do Norte, Jimmy Carter, que tanto falava em direitos humanos, ofereceu asilo político ao Brizola, considerado pelos americanos um inimigo perigoso desde quando, ao governar o Rio Grande do Sul, encampou as empresas Bond and Share e a ITT.

Leonel Brizola foi morar em Nova Iorque em 1977. Em 1978, já considerado como o principal líder político latino americano pela Social Democracia européia, promove o encontro dos trabalhistas e socialistas que estavam no exílio, na cidade de Lisboa, Portugal. Estávamos num processo de “abertura lenta e gradual” e Leonel Brizola preparava seu retorno ao Brasil, em grande estilo. A esse encontro estiveram vários brasileiros que ainda viviam aqui, entre os quais o deputado federal campista José Maurício Linhares. Ao final, foi elaborada e editada a Carta da Lisboa, na qual constavam os principais ítens de uma agenda que previa o retorno, a união em torno de uma legenda e a retomada da luta, pela via democrática, contra a ditadura. Mesmo antes da anistia política, em 1979, Brizola volta ao Brasil, iniciando sua peregrinação ao país por São Borja, onde estão os túmulos de Getúlio Vargas e João Goulart.

Multidões iam ao seu encontro, pois ele representava a ligação com o passado. Era o elo que faltava para que o Brasil retomasse a sua história. Ao chegar ao Rio de Janeiro (de onde saiu para o exílio como deputado federal mais votado na história do país, depois de ter sido deputado estadual e governador do Rio Grande do Sul, quando resistiu ao golpe e permitiu, com a Cadeia da Legalidade, a posse de João Goulart) uma multidão o aguardava no aeroporto. De Campos, lá estavam eu e o então vereador Hélio Coelho. Helinho voltou e eu fiquei. Na saída do aeroporto, um incidente. O carro que conduzia Brizola teve os pneus furados, derrapou e quase capota. Outros carros tiveram os pneus furados. Fomos verificar e vimos vários artefatos no asfalto, daqueles usados em guerra, do Exército, colocados para furar pneus de caminhões. Getúlio Dias, deputado federal pelo Rio Grande do Sul, pegou vários e a imprensa internacional registrou o atentado contra o líder trabalhista.

Ao percorrer, de carro, vários bairros do Rio, notadamente da Zona Oeste, sempre seguido de cinco ou seis outros com os “companheiros de primeira hora” (nem tanto, porque lá estava eu, que só soube de sua existência em 1972 e só o conheci quando retornou ao país). Triste com a quantidade de favelas ao lado de edifícios luxuosos, Brizola fez questão de andar pelas ruas dos bairros, conversar com as pessoas. Visitamos grande parte dos bairros das Zonas Norte e Oeste. No salão nobre do hotel onde estava hospedado, promoveu reuniões quase que diárias. Queria ouvir (e ouviu) os relatos das lideranças de todo o país. Teve um dia que a reunião durou 14 horas e Brizola fumou seis ou sete maços de cigarros. Cerca de três semanas depois, pediu que todos nós retornássemos às nossas cidades de origem e fundássemos o PTB.

Brizola me chamava de garruchão. Em 1973, em Ipanema, o médico e deputado federal cassado Adão Pereira Nunes me apelidou de garruchão - fino, comprido, cabeludo e barbudo. Nunca percebi que o Brizola desse intimidade a alguém. Olhava nos olhos das pessoas, apertava a mão com força e sempre com um sorriso. Era respeitado, mesmo pelos mais velhos, como se fosse um profeta. Na verdade, era um líder político que gozava de respeito e prestígio no Brasil e na Europa. Mas era apenas uma meia dúzia de três ou quatro que gozava de sua intimidade (mas não em público).

De retorno a Campos, tratei de ajudar Zé Maurício, deputado federal, a fundar o PTB. Mas a sigla lhe foi tirada numa manobra do general Golbery, que cedeu o PTB para Ivete Vargas. E, para dividir as forças de esquerda (trabalhistas e socialistas) Golbery atua nos bastidores para a fundação de um Partido com raízes sindicais. Nasce o PT. Brizola chora e, em frente às câmeras de TV, rasga uma bandeira do PTB. Num encontro de vários dias em Brasília, cria o PDT. Porém, era uma sigla nova e não conseguiu ser criada na maioria dos estados e municípios. Em Campos, sentimos a dificuldade. Os que desejavam a democracia e que resistiam ao regime dividiram-se em petebistas, petistas e pedetistas.

Em 1982 Brizola ganha a eleição no Estado. Eleição que tentaram tirar dele com a empresa Proconsult computando os votos nulos e em branco para o candidato do PMDB, Moreira Franco. A descoberta da fraude gerou um escândalo, no qual a Rede Globo estava envolvida. E ficou impune. Os militares, que haviam dito que Brizola não seria candidato, que se fosse candidato não ganharia. Agora diziam que ele não assumiria o cargo. Mas Brizola assumiu e os mesmos militares disseram que ele seria expelido, como coisa ruim, na hora certa.

Mas Brizola governou. E bem. Ao implantar os Cieps, escola de turno único, como viu na Europa, foi acusado pelo PT e os demais partidos de reduzir o número de matrículas (as escolas tinham três turnos). Quando ofereceu alimentação de qualidade nos restaurantes dos Cieps, o PT foi às ruas para dizer que “escola não é restaurante” e acusou o governador de populista. Quando acabou com a montagem e desmontagem de arquibancadas no Carnaval, com a Passarela do Samba, foi acusado de megalomaníaco e a Globo insistiu com inúmeras matérias nas quais engenheiros e arquitetos diziam que a passarela do samba iria cair e matar milhares de pessoas. Recusou-se, inclusive, a transmitir o Carnaval.

Quando Brizola colocou um elevador para os moradores das favelas de Pavão e Pavãozinho, foi chamado de demagogo. Quando acabou com a bica dágua e eliminou a imagem clássica do favelado com uma lata dágua na cabeça, colocando água encanada nos morros, via imensos bujões em locais estratégicos e que eram levados por helicópteros, a classe média só faltou fazer passeata contra ele. Quando proibiu a polícia de invadir casas de pobres sem mandado judicial, foi acusado de proteger os marginais. Quando ergueu uma estátua em homenagem a Zumbi dos Palmares na Praça Onze e criou a Secretaria do Negro, foi acusado de provocador, racista às avessas.

Resistindo a tudo, Brizola ganhou notoriedade. Um dos jornais mais populares do Rio, Última Hora, fez coro com a Globo e o acusou de promover a reforma agrária ao impedir que a polícia expulsasse invasores de terra em Nova Iguaçu e de impedir que a mesma polícia expulsasse as famílias que invadiram edifícios em construção que estavam abandonados. Uma das manchetes dizia “Invadam, Brizola garante”. Foi o fim do tradicional jornal. Brizola foi à TV, exibiu a manchete e fez um discurso acusando os donos de irresponsáveis.

Em 1984, seria realizada a eleição para a Presidência da República. A emenda que estabelecia as diretas estava para ser aprovada no Congresso, porque era o fim da ditadura e não cabia mais eleições indiretas. Mas as pesquisas mostravam que Brizola ganharia a eleição. Assim, a emenda foi rejeitada e o Congresso elege Tancredo Neves e José Sarney. Quando instituíram as diretas, sabiam que o Brizola tinha pouca chance de vencer o pleito. E fabricaram Collor de Mello. Brizola faz 16% dos votos, contra pouco mais de 17% de Lula, que vai para o segundo turno e perde para Collor.

Brizola volta ao Governo do Estado, vencendo a eleição em primeiro turno e termina o programa dos Cieps, que estava abandonado, constrói a Linha Vermelha (projetada 40 anos antes), implanta a Universidade do Norte Fluminense e reconstrói o Solar do Colégio, primeira construção sólida de Campos e que estava em ruínas. Nova eleição presidencial, em 1994. Brizola perde até para Enéas, um alucinado do Prona. Respeitado, continuou resistindo, acreditando que o povo brasileiro ainda daria um basta nas elites dominantes e nos demagogos. Mas parecia um Dom Quixote lutando contra os moinhos de vento. Fisicamente forte, morreu sem doença, sem sofrimentos em leito de hospital.

Há dois anos o Brasil perdeu sua liderança mais apaixonada pelo povo brasileiro (junto com seu amigo e companheiro Darcy Ribeiro) e a partir de então, estamos órfãos de lideres com sua força, sua determinação. Foi, depois de Getúlio Vargas, a maior liderança popular da história brasileira. Sinto-me orgulhoso de ter estado ao seu lado, seguindo sua liderança, por 25 anos.

Hoje, sete anos de sua morte, portanto, cinco anos após escrever o artigo acima, temos uma liderança que segue os passos do velho Briza, até mesmo como deputado federal, que Brizola, como o mais votado, exerceu em 1963/64, após ter sido governador. Trata-se de Garotinho, que defende os mesmos princípios e luta pelas mesmas causas.


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