No dia 11 de setembro, quando o mundo voltou-se para as solenidades que marcaram o maior e mais terrível ataque terrorista da história, fato que mereceu a atenção de toda a mídia por mais de 10 dias, alguns sites e o jornal O Estado de São Paulo divulgava o estudo do IBGE, relativo a dados colhidos em 2010, sobre as 42.785 crianças e pré adolescentes (entre 10 e 14 anos) que estão casados no Brasil.
Como o casamento de menores de 16 só com autorização da Justiça e menores de 14 anos foi proibido no Brasil, a união não pode ser formalizada, mas o IBGE constatou que os casais vivem juntos e são casados. Registrou também que a grande maioria dos casos está em locais de baixa renda e centros urbanos. O que causou surpresa espanto aos pesquisadores e analistas é que esta prática sempre esteve relacionada a áreas rurais e a regiões de alguns "países distantes", mas agora é comum nos grandes centros.
Essas situações se concentram em grupos de baixa renda e alta vulnerabilidade, principalmente nos rincões do País ou na periferia de grandes centros urbanos. O caso de P., uma jovem de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, é um exemplo do último. Ela se mudou para a casa do parceiro quanto tinha 11 anos. Seu namorado, na época, tinha 27. "Eu disse para ele que já tinha 14 e começamos a namorar. Meu pai foi contra porque me achava muito nova, e brigamos feio. Depois da discussão, fugi de casa e fui morar com ele", conta.
Lá, ela tinha mais liberdade e espaço. Na casa dos pais, eram sete crianças, entre filhos e primos que moravam juntos. Na do marido, uma casa modesta às margens da Represa Billings, eram só os dois. Nos anos seguintes, teve dois filhos e ficou um ano sem ir à escola. Aos 15, teve um sonho de que o pai iria morrer e ligou para fazer as pazes. "Foi a melhor coisa que fiz. Ele morreu um ano depois."
Hoje, aos 18 anos, ela ainda está com o marido - um agricultor de 34 - e é uma mãe cuidadosa, que não larga dos filhos, mas sente falta de uma infância que deixou de existir. "Deixei de fazer muita coisa que adorava, tipo jogar bola. Tem oito anos que não piso em uma quadra. Se você me perguntar se é fácil, não, não é."
Helen Sanches, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), diz que os casos são caracterizados pela lei como "estupro de vulnerável" e a pena é de 15 anos de detenção. Mas a realidade é mais forte que a lei, da ual escapam os parceiros mais velhos justamente porque não se casam no civil. Segundo ela, o crime se refere diretamente às relações sexuais mantidas com crianças e adolescentes, algo implícito quando se fala em casamento.
Helen conta que é cada vez mais comum encontrar famílias nos fóruns pedindo autorização para casar uma filha adolescente ou mesmo passar a guarda dela para o seu parceiro, sem saber da proibição legal. "Quando isso acontece e a menina tem menos de 14 anos, o promotor, além de não acatar o pedido, pode denunciar o rapaz por estupro de vulnerável, mesmo que a relação seja consentida ou que os pais concordem com ela", explica.
Entretanto, são poucos os casos que chegam ao conhecimento do poder público. Além de critérios sociais e econômicos, fatores culturais também dificultam o combate a esse tipo de situação. Isso fica claro ao se observar os Estados que lideram o ranking de casamentos com menores de 14 anos: ou são locais de baixa renda per capita, como Alagoas ou Maranhão, ou têm grande concentração indígena, como Acre e Roraima. Na outra ponta estão as regiões mais ricas e urbanizadas, como Rio Grande do Sul, São Paulo e Distrito Federal.
Até 2005, casar com menor de 14 anos era permitido - Atualmente, qualquer relação sexual com menores de 14 anos é considerada crime. Até 2005, no entanto, a lei perdoava quem casasse com a criança após a anuência da família. Naquele ano, o artigo foi considerado ultrapassado e acabou revogado. A Justiça não aceita mais casamentos de menores de 14 anos.
Outra mudança feita em 2005 diz respeito ao crime de sedução de menores, que também foi revogado. O artigo dizia que qualquer pessoa que desvirginasse uma mulher entre 14 e 17 anos "aproveitando-se de sua inexperiência" podia ser condenado a até 18 anos de cadeia. Hoje não é mais crime manter relações consensuais com adolescentes dessa idade.
Os números mostram também que as meninas costumam se casar com noivos mais velhos. Quando a adolescente é do sexo feminino, a idade média do noivo é de 20 a 24 anos. Já os meninos com menos de 15 anos costumam se casar com mulheres mais jovens, de 15 a 19 anos. Apesar de raros, casamentos de crianças com pessoas de mais de 60 anos de idade ainda acontecem no Brasil. Em seis anos, apenas um caso do gênero foi registrado: no Maranhão, em 2006, uma menina de menos de 15 anos se casou no papel com um homem de mais de 65.
No mundo inteiro, a cada três segundos, uma jovem com menos de 18 anos se casa. Apesar de fatores religiosos e culturais, a pobreza é a principal incentivadora dos casamentos infantis. De acordo com organizações de direitos humanos, mais de 10 milhões de crianças e adolescentes se casam anualmente para escapar da miséria. A prática, comum na África e na Ásia, legitima o que o Unicef caracteriza a principal forma de abuso sexual contra crianças.
(Sobre trecho de matéria do Estado de São Paulo)
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