"Dona Alaíde", guerreira que nunca perdeu a ternura
Um amigo meu dizia, isso já faz 40 anos, que "o progresso sempre chega tarde". Claro que a velocidade do avanço tecnológico nos últimos anos permite que pessoas como eu, já com o pé próximo à cova, participe dessa evolução. Mas, no espaço de 20, 30 anos, pode-se dizer que "o progresso sempre chega tarde", porque os que já se foram, não puderam gozar dos privilégios de hoje.
No caso da internet, quem não viveu a partir do fim dos anos 1990, principalmente, neste início de século XXI, parece não constar no mapa. Se alguém quiser saber de uma pessoa, mesmo que tenha ela tido uma importância social, política, antes da internet, só nas coleções de jornais.
Quando "Dona" Alaíde (Pereira Nunes) morreu, no último dia 1º, aos 96 anos de idade, procurei a história de Adão Manoel Pereira Nunes na rede. Só encontrei a homenagem feita a Alaíde em 2010 e sua morte, agora em 2011. Nas notícias sobre ela (também só agora) consta quase nada sobre Adão, seu "companheiro" de vida e de lutas.
Conheci Alaíde no início da década de 1970. Gerenciava a Livraria Lagunilha, em Ipanema (da qual era sócio, mas não constava em documentos) e Adão, ao retornar do Chile após a queda de Salvador Allende (cassado em 1964, o então deputado Adão Pereira Nunes exilou-se no Chile) e vencidos os 10 anos de sua cassação, com uma aposentadoria compulsória que mal dava para pagar seu condomínio do apartamento em Ipanema, atendia, numa farmácia do Leblon, os humilhados e ofendidos que desciam da favela, pela Gávea e faziam fila para serem clinicadas pelo médico que fazia, ali, o que mais gostava: atender os pobres.
Na época, frequentava a livraria e conversávamos bastante. Quase nada sobre política. Gato escaldado tem medo de água fria, eu dizia. E Adão ria. Era amigo de Gerardo Melo Mourão que lançou o jornal A Crítica, no qual escreveu "Sou já cruz, fumando espero", combatendo o cigarro. Escreveu seu livro de crônicas (ainda nada sobre política), memórias da infância e casos que colheu como médico. Lançou na livraria. Foi um sucesso. Até então, nunca vi tanta gente numa noite de autógrafos. Foi nessa época ipanemense que conheci "Dona" Alaíde. Anos depois Adão lançou seu livro com passagens políticas: Do Planalto às Cordilheiras.
Adão era uma figura boníssima. Ao conhecê-lo, mesmo conversando com ele, não se podia fazer uma idéia do guerreiro que era, das suas lutas desde quando ainda estudante de medicina e militante do Partido Comunista. Amigo de Nina Arueira (que militava no Partido e morreu precocemente, em 1935, Adão sempre combateu o bom combate. Casou-se com Alaíde, outra figura boníssima e guerreira. O casal lutou a vida inteira por um Brasil melhor.
Combateram, juntos, a ditadura Vargas. Pagaram um alto preço por isso. Já em 1935, militando na Aliança Nacional Libertadora, o casal sofreu com o regime Vargas e viveu um tempo na ilegalidade. Retorna à luta aberta com a anistia de 1946, com a Nova Constituição e com Dutra no poder. Luta pelo petróleo, que culmina com a lei sancionada por Getúlio criando a Petrobrás. Adão era amigo de Barcelos Martins, que se elegeu prefeito em 1954 e, depois, em 1962, pelo PSP. Por ironia, o PSP era liderado por Adhemar de Barros. Adão foi eleito deputado federal. E nessa condição, foi cassado em 1964.
Adão e Alaíde sofreram horrores, tiveram que peregrinar pelo país usando nomes falsos até que se exilaram no Chile. Quando Leonel Brizola retornou do exílio e, sem poder ficar com o PTB, criou o PDT, lá estavam Adão e Alaíde. Adão me apelidou de "garruchão" pois eu era muito magro e barbudo (quando ele me conheceu, eu tinha cabelos longos). Apelido pelo qual era chamado por Brizola e outros velhos companheiros que já se foram, como Neiva Moreira, Moniz Bandeira, Cibilis Vianna.
Para ajudar o Partido em Campos, Adão aqui vinha sempre, com um corcel modelo 1973. Sempre de bom humor, fazendo piadas de coisas que via e ouvia e demostrando sempre sua ternura e seu amor pela companheira de toda uma vida. Morreu e foi uma das raras vezes que chorei por alguém. Fábio Ferraz, então vereador (1983/1988) do PDT, teve projeto aprovado que deu seu nome à antiga Avenida São João da Barra, que começa na Lapa e segue até a Tira-Gosto. Dona Alaíde continuou na luta e, em 2010, foi homenageada na 22ª edição da outorga da Medalha Chico Mendes de Resistência, organizada pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e outras entidades de Direitos Humanos.
Este artigo/postagem é uma homenagem (em vida, entrevistei Adão muitas vezes e pude sempre render minhas homenagens ao grande ser humano que era) ao casal. Alaíde morreu aos 96 anos, no dia 1º de setembro próximo passado e foi sepulada no dia 2, no cemitério do Catumbi, Rio.
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