Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







domingo, 13 de janeiro de 2013

A Cavalhada em Santo Amaro: 253 anos


A Cavalhada
           
            A principal atração da Festa de Santo Amaro é, sem dúvida, a Cavalhada, uma representação da luta entre cristãos e mouros (povos que habitavam a Mauritânia; sarraceno; para os cristãos, mouro era qualquer um que não tinha a fé cristã) que, com o passar dos anos, foi sofrendo modificações, tornando-se um espetáculo de arena, um show de montaria, proporcionado por cavaleiros de todas as idades, desde garotos até o mais antigo deles, Francisco Manoel da Costa,  que completou 77 anos no dia  9 de janeiro de 2008, na véspera de sua 65ª Cavalhada (em 67 anos, só faltou duas vezes: uma quando sua mãe morreu e outra, em 2007). Os cavaleiros ensaiam e aperfeiçoam a destreza com os animais durante todo o ano. Aprendem, com um instrutor - nos últimos anos tem sido Joel Rita da Costa, que é  filho de Francisco e capitão da representação - todos os movimentos necessários ao belo espetáculo. Mas mal conhecem a história de mouros e cristãos ou das cruzadas.

            Representada pela primeira vez em Campos em 07 de outubro de 1730 em homenagem a Dom Mimoso, Ouvidor da Comarca do Rio de Janeiro que visitava o Solar do Colégio, propriedade dos jesuítas, a Cavalhada simulava a luta entre mouros e cristãos, com a conseqüente conversão daqueles e a confraternização final, quando os cavaleiros, rapazes e senhores da nobreza e criadores de gado da região, distribuíram flores e acenaram com lenços brancos para a assistência. Naquela oportunidade, assistiram a representação alguns jesuítas, as famílias convidadas para recepcionar o Ouvidor e os empregados, colonos e escravos das fazendas do Campo Limpo. (LAMEGO:  42/43)

            Em Santo Amaro a Cavalhada é apresentada desde 1760, atraindo sempre milhares de pessoas da região e de outros centros. Muitas pessoas de outros distritos e municípios ficam impressionados com os movimentos da representação, a destreza dos cavaleiros e o toque mágico da Cavalhada que lembra a Idade Média, com cavaleiros e cavalos devidamente paramentados de azul (cristãos) e vermelho (mouros). O azul seria o céu e o vermelho, o inferno, na opinião de alguns observadores. Faz sentido quando os cristãos deploravam os mouros, que eram pagãos. Também os líderes da religião cristã falavam horrores sobre os mouros, motivando os cristãos a invadirem suas terras, do ano 800 aos primeiros séculos do segundo milênio. Os mouros (ou não fiéis) eram um povo sem escrúpulos, maldoso e bárbaro. Ou seja, do demônio.

            A Cavalhada é um folguedo cuja representação foi introduzida no Brasil pelos portugueses no século XVIII e faz parte da tradição cultural de muitos municípios brasileiros, principalmente no Norte/Nordeste. Em Campos, é uma referência cultural muito forte e alvo de estudos de folcloristas, historiadores e pesquisadores das nossas imensas riquezas culturais populares. Dados existentes em livros e revistas da Secretaria de Estado de Cultura, Biblioteca Municipal de Campos e reportagens nos jornais do município atestam que a Cavalhada representa os soldados cristãos do imperador Carlos Magno na conquista dos mouros de Constantinopla e que foram batizados, após vencidos na batalha, pelo próprio Carlos. Como em Santo Amaro são 12 cavaleiros de cada lado, as pessoas se reportam às histórias e lendas de Carlos Magno e os Doze Pares de França.

            Carlos era filho de Pepino que se tornou rei, sucessor de seu pai, Carlos Martel, porque seu irmão entrou para um convento. Pepino amedrontou o papa, forçando-o a apoiar sua coroação em Soissons, capital da Merovíngia, em 751. Carlos Magno também, como o pai, tinha um irmão, mas este morreu em 771 e Carlos tornou-se rei, governando os domínios dos francos de 771 a 814. Inteligente, embora tivesse dificuldade para ler (outros liam para ele, que se interessava muito pela Bíblia) e não se atrevia a escrever. Carlos o Grande, ou Magno, utilizou a religião cristã transformando as guerras de conquistas em guerras de religião. Nos séculos oitavo e nono, principalmente com Pepino e Carlos Magno, os territórios onde hoje situam-se a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia tornaram-se arenas de terríveis lutas entre “a velha e a nova fé”. Nações inteiras foram convertidas ao cristianismo pela espada.

            Pois bem, a Cavalhada conhecida no Brasil seria a representação dessas lutas entre mouros e cristãos, com a conseqüente vitória dos últimos. No entanto, o memorialista Waldir de Carvalho, um estudioso da história da Baixada e que nasceu e viveu em Santo Amaro, onde sempre manteve uma relação estreita com amigos, parentes e sua cultura (Waldir faleceu no alvorecer do dia 1º de janeiro de 2008) tem outra explicação para a origem da Cavalhada. Segundo ele, a Cavalhada é a representação da luta que não houve entre cristãos do exército do rei da França, Luis IX e os mouros da Tunísia, sob o comando de um Sheik. Luis comandou a última Cruzada contra os povos pagãos. Cruzada que, aliás, foi um fracasso e já não tinha nada da violência praticada nas anteriores.

            Como os mouros eram grandes cavaleiros, a guarda de honra do rei Luis entrou numa disputa com a guarda de honra do Sheik árabe. Em vez de uma luta de morte entre eles, devido ao respeito que nutriam uns pelos outros, decidiram participar de um desafio que Waldir narra dessa forma: colocaram uma espécie de trave numa arena e animais “provavelmente porcos” esticados por cordas.

            Os cavaleiros deveriam, em disparada, cortar a cabeça do animal de um só lance de espada. (Por suas façanhas em prol do cristianismo, o rei Luis IX foi santificado). Na Cavalhada conhecida no Brasil (que já foram realizadas com 18, 20 cavaleiros) os animais para o sacrifício foram substituídos pelas argolinhas.

            Na verdade, não há documentos que permitam assegurar que a Cavalhada provém exatamente de que época. Certo é que ela representa a luta entre mouros e cristãos e sua origem pode ser da época de Carlos Magno, no século IX ou das últimas Cruzadas, no século XII.

(Trecho do meu futuro livro sobre a Festa de Santo Amaro)

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