Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ferreira Gullar- O encantador de pessoas

Recebi o email abaixo da amiga jornalista Denise Ferreira e, por considerá-lo interessante, publico aqui:

"Ferreira Gullar falou. Eu ouvi. E ouvi uma voz firme e mansa. Voz da experiência, de magnitude estelar. Momento de deslumbramento perante aquele mito de homem, senhorzinho franzino, que entrou na Arena Cultural, acenando alegre, animado e gentil, mas também imponente, como um domador que já tivesse domado todos os touros e recebesse naquele momento seus merecidos louros, em forma de aplausos calorosos, que seu sorriso humilde, agradeceu.

Uma palestra absolutamente cheia de vida. Relato de amores, poesias, dores, alegrias, sonhos vividos ou intencionados. Bebemos todos, ávidos daquela fonte de sabedoria presencial.

_O maior poeta vivo do Brasil? Eu?. (um espanto medido?) Mas como alguém pode dimensionar isso? Pelos que já estão mortos?, questionou, provocando o riso da platéia e contando , a seguir, que em sua fuga do Brasil, durante a ditadura,por onde ia matava um presidente. Outra brincadeira do mestre das palavras. A platéia ri, contente, conectada ao poeta.

_Fui para o Chile matei Allende. Fui para a Argentina, matei Perón....Brincadeira! Vem daí a estória de pé frio, de matador de presidentes que ganhei! E tome risos, provocados por um homem de poesia grave, profunda. Um contraponto.

O assunto recorrente sobre política pede seus comentários. Fala sobre o comunismo, o regime que um dia defendeu como ideal. Sobre a situação do Brasil – leves pinceladas. Não deseja comprometer-se. Não mais! Ao citar Che Guevara, o reconhece como grande líder revolucionário, que “morria por nós, enquanto eu estava em um Festival de Música, ouvindo, deliciado, lindas canções, num momento aprazível. Que coisa prosaica e sem sentido!”, deduz.

A emoção aprofunda-se à medida em que os assuntos pessoais vem à baila.Tom sério mas desvendado por um Gullar, totalmente desnudo das máscaras sociais. Conta.

_Tenho dois filhos esquizofrênicos. Não tenho vergonha de dizer isso. É como qualquer outra doença, que tivesse dado no braço, na perna. Só que a deles é na cabeça. Não há vergonha nisso, explica com firmeza ímpar, para em seguida contar um fato que explica de onde vem tanta poesia, tanta beleza, tanto tema sobre a vida.

_Um dia, ao levar meu filho ao médico, de carro, ele de repente soltou essa: “Sinto vento no rosto. Sonho....”. Foi um momento especial. Ele me dizia, do fundo do seu ser, preso, envolvido em outro ponto, dentro de si, absorto, que aquele vento, que sentia, era um sonho de liberdade, de vida, ele estava ali mas não estava ali,revela. A frase que o emocionou foi enfeitar outra linda poesia.

A citação de amigos, escritores, músicos, artistas da tinta, de todos os matizes e artes percorreu toda a conversa, mediada pela professora Arlete Sendra, professora e escritora campista, acadêmica, com doutorados, que, perante o saber nada didático, nada pedagógico, nada formatado de Gullar, mas inquestionavelmente um saber avultado, um saber enorme e inquestionável de uma alma livre, rara, não conseguia esconder o estado de fã ardorosa. Extasiada, a cada leitura que fazia de pequenos trechos de poemas, lia-se escrito em sua testa: “Meu Deus! Estou lendo a poesia dele, para ele!” Estava transportada a uma menina contente.

Confesso a inveja! Frente a frente com aquela pessoa incrível, poder beber naquela fonte de mistérios, significados e significantes, poder ouvir respostas para minhas próprias perguntas, todas ali, enrustidas, com medo de ser verbalizadas, tímidas. Mas deixemos as digressões pra lá. Costumo me perder nos pensamentos. Vamos voltar ao que interessa. E o que interessava a todos, também a mim, naquela arena, lotada, era aquele homem. Aquele velhinho-vovô-sábio, também um pai falando a seus filhos, de lindos cabelos brancos esvoaçantes e que charme! A cada vez, que expulsava a longa franja do rosto!E ria um riso límpido, sentia vontade de rir junto. Quanta vida, quanta energia havia naquele ser de aparência frágil! Peter Pan...

Pisco e volto. Agora ele passeia pela vida pessoal. Outro momento de emoção do poeta. Chora. A voz embarga à lembrança de Clarice Lispector, uma amiga querida, amada. Declara o que eu já suspeitava e muitos outros também. Foi mais que amigo. Apaixonado pela belíssima mulher e controversa escritora, de vida pessoal também bastante marcante. E, ponto em comum, que desconhecia, eu e certamente grande parte do público, “também ela com um filho esquizofrênico, o que promovia intensa culpa e a torturava”. Amor e empatia entre eles.

Citado no início do encontro, um poema remetia à infância do poeta. Comentando sobre o tema ele disse:

_Somos o conjunto de onde nascemos, das pessoas da nossa família, amigos, conhecidos mais próximos, pessoas com as quais convivemos, nossa base, nosso núcleo. Nosso micro-cosmos. Existem milhões de pessoas lá fora mas elas não fazem parte disso.Minha família, meu pai quitandeiro, minha mãe, são a base do que sou.

Preferiu encerrar a conversa com as reminiscências do passado. Falou do pai, com carinho de filho dedicado. Mas o Maranhão era pequeno para Gullar. O mundo também. Depois tornou-se.

_À época em que nasci, a pequena cidade de São Luís, era bem diferente de hoje. Eu via os aviões subindo, descendo, chegando, indo e vindo e eu ali. Preso àquele lugar onde nada acontecia, nada chegava. Sonhava ir mais longe, resume o estado de espírito liberto que tinha.

E foi! Ferreira Gullar. José Ribamar Ferreira. Você já chegou ao céu, ao píncaro, à glória. Ao lugar mais alto que uma mega inteligência pode chegar!Mas o lindo é que isso não te deslumbra, nem te faz um chato! Isso te engrandece de forma quase lúdica e o seu riso é grato.

Ferreira Gullar que não é meu parente. (Eu que também carrego Ferreira, modestamente, no sobrenome). Mas que teria gostado de sonhar que fosse! Se houvesse uma ínfima possibilidade de com isso, ter um micro-centésimo de sua centelha poética e a vida cultural, para mim, inimaginável que vivenciou e vivencia hoje.

Saí da Arena Cultural, meio bêbada. Sorvi demais e muito rápido. Os pensamentos se chocavam e eu queria ter o dom da palavra para descrever o que foi aquele encontro.

Como a professora e as centenas de pessoas presentes, tivemos todos o privilégio enorme, nada usual, de ver e ouvir um Grande Mestre! Também nós, pessoas de uma cidade, em busca de amplidão cultural, desse body jumping para o escuro desejado, desse vôo para a literatura, esse mundo subliminar, intenso e vivo.

Um beijo, Mestre! Desejo que ele permaneça em sua face, até nosso próximo encontro!


Por Denise Ferreira
6ª Bienal do Livro de Campos

Campos dos Goytacazes,13 de novembro de 2010.

Rio de Janeiro/Brasil

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