Zé Cândido por ele
mesmo
Muito há de escritos sobre a obra
de José Cândido de Carvalho. Pouco sobre ele. Ultimamente, vários escritos
sobre o nosso escritor de maior projeção têm surgido, mas nenhum se compara à
biografia que fiz dele, lançada em 2004 e reeditada agora para seu centenário
de nascimento. Com 368 páginas, José Cândido de Carvalho, Vida e Obra,
acrescido de um dito da doutora e maior conhecedora da linguagem do autor de O
Coronel e o Lobisomem, Arlete Parrilha Sendra, vai ser motivo de bate-papo no
estande da Associação de Imprensa Campista, na Bienal do Livro.
Vou porque fui convidado pelo
presidente da entidade, Vitor Menezes. Também o presidente da Academia Campista
de Letras, Hélio de Freitas Coelho faz questão da minha palavra sobre o nosso
Zé no estande daquela entidade. Então, vou lá também. E, para que os poucos
leitores deste blog conheçam um pouco (quase nada) de José Cândido, transcrevo
do livro este pequeno trecho:
“A minha infância foi como a de
qualquer gente, de qualquer menino sem poder aquisitivo. Campos, no Estado do
Rio, naquela ocasião, era uma cidade muito rural. Basta dizer que passavam bois
pela minha rua. E era uma cidade de encantos mis: havia lobisomens nas casas,
havia flores nos jardins – e flores também encantadas, flores maravilhosas.
Enfim, uma infância como outra qualquer.
Nunca vi disco voador, nunca vi
lobisomem (apesar de ser especialista e ter escrito sobre lobisomem, nunca vi).
Mas tenho certeza de que há lobisomem. Tenho notícia de que um coletor federal
em Campos era lobisomem. Ele desencantou anos depois, mas tenho certeza de que
era um lobisomem. Essa paisagem teve muita influência sobre minha obra. As
lendas, aquela vastidão, aquela solidão dos Campos dos Goitacases (ele escrevia
com “i” e “s”), aquilo me marcou muito”.
Sobre seus estudos, disse José
Cândido:
Tive uma vida escolar muito
irregular. Filho de pais pobres, cursei escolas públicas e fui expulso de
várias delas. Não me dava bem e era expulso por ser irrequieto. Lembro-me que,
numa delas, a professora chamou minha mãe e disse: “esse menino é muito burro,
isso não pode, esse menino é burro demais. Em concurso de burro, ele ganha de
qualquer um”. Então, eu me desliguei dessa escola e comecei a tomar aulas
particulares porque meu pai melhorara um pouco de vida. Terminei o meu curso
primário e fui para o Liceu de Humanidades de Campos, onde não cheguei a fazer
o curso todo. Fui completar o curso no Rio de Janeiro.
Fiz Direito porque meu pai achava
muito bom. Ele nem queria o diploma. Queria a beca. Principalmente o retrato,
que tinha muita importância: “meu filho é doutor!” E realmente fui doutor
durante algum tempo em Campos, na minha terra. Mas não tinha jeito, porque para
ser advogado tem que ter jeito especial: é preciso falar bem, e falo pessimamente...
engasgo, sou meio gago. Fui defender um camarada, quase condeno o sujeito. Sou um
péssimo orador. Mesmo na Academia Brasileira de Letras, onde estou há sete
anos, só falei no dia em que me empossei, nunca mais”.
Para explicar que é caipira,
gosta da roça, de sossego, José Cândido disse que é uma pessoa inculta:
“Na minha infância, em Campos, eu
morava numa casa meio de roça. Quando chovia muito a minha casa ficava uma
ilha. Eu não tinha outra coisa a fazer a não ser ler jornais velhos. Até
gostava, porque ficava sabendo dos acontecimentos de um mês em um dia. Começava
a ler de manhã o jornal do começo do mês. Lia o primeiro jornal, o segundo, e
quando chegava a noite, já tinha o resultado do acontecimento. Lembro-me muito
bem que houve uma grande luta de boxe entre Gene Tunney e Jack Dempsey, lá
pelos anos de 1925, 1927. Comecei a ler pela manhã o primeiro jornal do
desafio: “Daqui a um mês, daqui a quinze dias, amanhã vai haver a luta”. Até
que, à noite, cheguei na luta em que o Tunney ganhou do Dempsey o Campeonato
Mundial de Boxe.
Não sou uma pessoa muito culta,
não. Sou uma pessoa inculta. Não sou de grandes leituras, leio o necessário.
Acho que, para o romancista, ser muito culto até atrapalha: saber como era
Balzac ou como Proust trabalhava. O que me interessa é a obra deles e eu as li.
Também atrapalha muito saber português: o mecanismo da língua, a língua em sua
origem e suas raízes. Como sou filho de portugueses, tenho no ouvido a boa
colocação de pronomes. Foi uma luta para despronomizar. Achava muito chato
apenas copiar a linguagem de meu pai e de minha mãe”.
Este trechinho do livro e do
dizer de Zé Cândido sobre si mesmo só no meu livro que tem muito mais dele
sobre ele. Além, é claro, de tudo que foi pesquisado por mim, pela pedagoga
Viviane Terra e a historiadora Sylvia Márcia Paes.
A edição do livro é
limitadíssima. Quem quiser, realmente, saber sobre Zé Cândido, é só adquirir o
livro na sexta-feira, dia 23, no estande da AIC. A não ser que eu tenha patrocínio
para outra edição. Ou uma editora se interesse pela melhor biografia já escrita
sobre nosso escritor. Mas isso é sonho, pois não tenho fama suficiente para
gerar interesse de editoras nem vou sair por aí pedindo reconhecimento.
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