Artigo escrito originalmente para o jornal da AIC
Quando se
comemora o centenário de nascimento de José cândido de Carvalho, quarto imortal
da Academia Brasileira de Letras e o maior expoente das nossas letras, tendo
alcançado parte do mundo com apenas dois romances que escreveu durante toda sua
vida – o terceiro, Rei Baltazar, ele não chegou a concluir – um dado importante
parece escapar aos escribas daqui, ali e alhures: Zé Cândido era, antes de
tudo, jornalista.
Para fazer
gosto ao pai, Zé Cândido formou-se em advocacia. Desistiu da profissão logo no
primeiro caso. Prezava tanto o diploma de advogado que perdeu-o. Porém, amava o
jornalismo. Desde os tempos de rapaz (16 anos) atuava em jornais. Primeiro,
como revisor em O Liberal que, segundo o próprio Zé Cândido, “era um
jornalzinho de cavação, picaretinha” que, depois, “veio a morrer de fome,
coitadinho, na beira da calçada”.
Depois, “vendo
que não dava para nada, eu digo: eu vou dar para alguma coisa. Então, vou
escrever”, conta o imortal campista para a jornalista Maria Cláudia, em
depoimento para a Academia Brasileira de Letras, em 1987, dois anos antes de
falecer.
Brinca:
“escrevia por necessidade, porque eu não gosto de escrever. Acho escrever
horroroso. Até hoje, acho escrever uma coisa chatérrima, É uma violação. Eu
escrevo porque preciso”. Ele também se dizia um escritor copioso: “quer dizer,
um escritor torrencial, que bota o papel na máquina – tá, tá, tá, tá – e dali a
pouco está um livro. De jeito nenhum. Não dá pra mim. Para eu fazer um livro é
uma desgraça. Eu morro em cima do livro. Faço uma página, no dia seguinte não
gosto, volto a fazer. Daí você vê, eu publiquei o Coronel em 1964 e, 25 anos antes, eu tinha escrito esse pequeno
romance Olha para o céu, Frederico!. Então, de 25 em 25 anos eu escrevo um
livro...”
Entre 1930
(quando tinha 16 anos) e 1937, José Cândido de Carvalho trabalhou no já dito
Liberal, na Folha do Commercio, O Dia, Gazeta do Povo e Monitor Campista.
Casou-se em 1936 e, em 1937, nasce sua primeira filha, Laura Lione. Vai para o
Rio de Janeiro e, convidado pelo filho de Alzira Vargas, Vargas Neto (neto de
Getúlio Vargas que, naquele ano, impõe ao povo brasileiro uma ditadura), inicia
suas atividades na capital, como jornalista de A Noite, jornal com quatro
edições diárias.
Tendo como
diretor do jornal o português Vasco Lima, amigo dos Vargas, José Cândido
tornou-se um notório jornalista, com sua maneira peculiar (única) de
entrevistar. Observava o entrevistado, o ambiente ao redor e escrevia suas
impressões. Os curiosos poderão ler Ninguém Mata o Arco-Iris, livro de
entrevistas escolhidas entre as centenas escritas por ele nos jornais que
atuou, inclusive como editor da revista O Cruzeiro.
Um exemplo de
quando o jornalismo ainda tinha estilo, nos dá José Cândido. Ao entrevistar, em
1967, Chico Buarque, no auge a fama de A Banda, escreveu o papa goiaba: “agora,
com o estrelato a tiracolo, Chico não mora mais em São Paulo nem no Rio. Em
verdade, não mora. Circula. Tem apartamento na Avenida Nossa Senhora de
Copacabana. É uma peça simples, sem prosopopeias, muito ao jeito do seu dono.
Visto assim sem cartão de visita, Chico parece feito tecnicolor: tem olhos
verdes e sol de praia no rosto. Vou falando com ele, Chico de 1967. Enquanto
afina o violão, diz: _ tenho uma conversa chata que é uma beleza!...
Cá entre nós,
o que Chico não tem é conversa. Fala aos pouquinhos, como quem quer poupar
palavras. E gosta de passar as mãos sobre os cabelos. Dou uma olhadela pelo seu
pequeno mundo de cimento armado. Vejo na parede um retrato a carvão de um certo
político brasileiro. _ Admiração, Chico? _ Não. Raiva.
Chico, como a
Bíblia, diz que há tempo para tudo. Já houve nele o tempo de Bach. Agora,
chegou o tempo de Beethoven. E é fumando cigarros Luis XV que ele fala do homem
da Sonata ao Luar. Fala manso, talvez para não espantar Beethoven, que está
derramado em seu sofá em forma de disco.
Da rua, sem
pedir licença, vem uma rajada intrometida de iê-iê-iê. Beethoven aproveita a
ocasião para ir embora. Chico não gosta de iê-iê-iê, mas não tem raiva dos que
gostam dessa orquestra de gatos. Compreende. E até acha preferível Roberto
Carlos a Elvis Presley. Justifica: _ Pelo menos esse é brasileiro. A gente não
precisa consumir dólares com ele. Chico não diz, mas, pelo jeito, gostaria de
passar pelo moedor de carne todo o iê-iê-iê da praça”.
Como hoje, via
de regra, jornalismo não paga mais que o aluguel, e José Cândido tornou-se
assessor político. Foi servir a Amaral Peixoto, genro de Vargas e comandante da
política fluminense. Foi também redator do Departamento Nacional do Café. Mas
não perdeu o vínculo com o jornal A Noite e, ainda, assumiu em 1942 a redação
do jornal O Estado. Em 1957, A Noite encerrou suas atividades e José Cândido
foi convidado e assumiu o copidesque da revista O Cruzeiro, à época, a de maior
circulação no país. Logo depois, assume o lugar de Odylo Costa, filho, como
editor internacional da revista.
Tornou-se, também, colaborador do Jornal do Brasil, onde escrevia
crônicas. Escreveu na revista A Cigarra, a convite de Herberto Sales.
Quando saiu de
Santa Teresa e foi morar no bairro do Fonseca, em Niterói, elaborou seu romance
O Coronel e o Lobisomem, que lançou em 1964. Porém, fez amizade com o Alberto
Torres, dono de O Fluminense, jornal de circulação estadual com sucursais em
vários municípios, inclusive em Campos. Passou a escrever para o jornal e, anos
depois, para o Monitor Campista, A Notícia, de seu amigo Hervé Salgado, e a
Folha da Manhã, fundado em 1978.
Enfim, o José
Cândido, filho único de Bonifácio de Carvalho e Maria Cândido de Carvalho,
nascido em Campos por acaso (já na barriga da mãe, ia para a Ilha da Madeira
quando uma revolta dos negros da ilha forçou seus pais a atravessar o Atlântico
e vir morar em Campos, onde residia um irmão de seu pai), na véspera de São
Salvador, 05 de agosto e no dia da eclosão da I Grande Guerra, foi um grande
jornalista. E, nas comemorações de seu centenário de nascimento, recebe de seus
colegas de imprensa, esta matéria como homenagem.
Avelino
Ferreira
(A interessante
história de José Cândido encontra-se unicamente no livro que escrevi sobre ele:
José Cândido de Carvalho, Vida e Obra e que será lançado, em segunda edição, nesta sexta, às 17:30, no estande da AIC na Bienal)
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