Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







domingo, 22 de janeiro de 2012

Como homenagem ao Brizola

Quando Brizola retornou do exílio, pouco antes da anistia, em 1979, lá estava eu a recepcioná-lo no Galeão. Quando ele morreu, senti muito e estava lá, no Guanabara. Com ele, findou-se uma era política no Brasil. Era iniciada por Getúlio, sequenciada por João Goulart e ele, Brizola, como o último pilar do trabalhismo, então renovado. Nessa nova era, temos Garotinho, que é o trabalhista dos novos tempos e sofre com as mesmas elites que combateram Getúlio, Jango e Brizola. 

Hoje, aniversário de nascimento do velho Briza (estaria completando 90 anos), publico o artigo que escrevi por ocasião de sua morte, em 21 de junho de 2004:   

Adeus, Brizola!

A gente não pensa na morte com naturalidade. Por isso, mesmo quando uma pessoa está com idade avançada, não a imaginamos morta. Quando ela morre, nos surpreendemos. Eu, que não sou dado a sentimentalismos, fico parado, olhando sem ver, pensando que existem pessoas que não deveriam morrer. E sem sentir, me pego derramando lágrimas. Foi assim com tantas figuras que arriscaram a vida na defesa do povo brasileiro. Adão Pereira Nunes, Luis Carlos Prestes, Ivan Senra Pessanha, João de Souza, Irineu Marins, coincidentemente, todos ligados ao socialismo, vinculados ao PDT de Leonel Brizola e com os quais convivi.

Agora, choro a morte de um dos maiores e mais importantes brasileiros, que foi Leonel Brizola. Sua morte me fez refletir sobre os últimos 25 anos, quando ele retormou do exílio. Estava nos Estados Unidos da América, após ser expulso do Uruguai, a pedido do governo brasileiro, já que, no país vizinho, representava uma ameaça para o regime ditatorial da época. Jimmy Carter, democrata, lhe deu asilo político. Uma ironia, pois foram os EEUU que patrocinaram as ditaduras na América Latina e que acabou com o Governo Goulart. Mesmo morando em Nova Iorque, Brizola, pela Internacional Socialista, realiza um encontro dos trabalhistas em Lisboa, Portugal, e lá é elaborada a Carta de Lisboa, que previa o retorno dele e dos exilados ao Brasil. Preparava a recriação do PTB.

Antes da anistia política, volta ao Brasil, iniciando sua visita ao país por São Borja. Multidões iam ao seu encontro, pois ele representava a ligação com o passado. Era o elo que faltava para que o Brasil retomasse a sua história. Ao chegar ao Rio de Janeiro (de onde saiu para o exílio como deputado federal mais votado na história do país, depois de ter sido deputado estadual, prefeito de Porto Alegre, deputado federal e governador do Rio Grande do Sul, quando resistiu ao golpe e permitiu, com a Cadeia da Legalidade, a posse de João Goulart) uma multidão o aguardava no aeroporto. De Campos, eu e o vereador Hélio Coelho. Helinho voltou e eu fiquei. Na saída do aeroporto, um incidente. O carro que conduzia Brizola teve os pneus furados, derrapou e quase capota. Outros carros tiveram os pneus furados. Fomos verificar e vimos vários artefatos no asfalto, daqueles usados em guerra, do Exército, colocados para furar pneus da caminhões. Getúlio Dias pegou vários e a imprensa internacional registrou o atentado contra o líder trabalhista.

Triste com a quantidade de favelas ao lado de edifícios luxuosos, Brizola fez questão de percorrer os bairros do Rio. Fomos juntos. Visitamos grande parte dos bairros das Zonas Norte e Oeste. Fazíamos reuniões diárias. Teve um dia que a reunião durou 14 horas e Brizola fumou seis ou sete maços de cigarros. Ao final, pediu que todos nós retornássemos às nossas cidades de origem e fundássemos o PTB.

Brizola me chamava de garruchão. Em 1973, em Ipanema, Adão Pereira Nunes me apelidou de garruchão - fino, comprido, cabeludo e barbudo. Nunca percebi que desse intimidade para alguém. Olhava nos olhos das pessoas, apertava a mão com força e sempre com um sorriso. Era respeitado, mesmo pelos mais velhos, como se fosse um profeta. Na verdade, era um líder político que gozava de respeito e prestígio no Brasil e na Europa. De retorno a Campos, tratei de ajudar Zé Maurício, deputado federal, a fundar o Partido. Mas a sigla lhe foi tirada numa manobra do general Golbery, que cedeu o PTB para Ivete Vargas. Brizola cria o PDT. Fundamos então o PDT, no escritório de Ivan Senra, na casa de Irineu Marins. Na campanha de 82, precisávamos de um candidato que representasse o povo sofrido de Campos e indicamos Orávio de Campos. Eu Zé Maurício e Adão insistimos com Orávio. Ele foi candidato mas abriu mão para alguém mais tarimbado na política. Esse nome era do ex-prefeito José Alves de Azevedo. Mas Zé Alves preferiu ficar com o PTB e Sandra Cavalcanti. Surge César Ronald. Orávio abriu mão e César foi o nosso candidato.

Em 1983, Garotinho, que era do PT, queria falar com Brizola. Estava na Rádio Cidade. Me pediu para ir com ele, pois sabia que eu conseguiria falar com o governador sem burocracia. Fomos eu, Walace Oliveira e ele, além do motorista. Cheguei ao Palácio e me informaram que Brizola estava ocupado com jornalistas nacionais e internacionais. Insisti e Cibilis Viana, chefe de Gabinete, me disse: “se vira com o governador”. Entramos e aguardamos de um lado do grande salão do Palácio. Do outro lado, Brizola, os olhos vermelhos com tanta luz dos refletores das TVs, concedia uma entrevista atrás de outra. Num dado momento, aproximei-me e ele, prontamente, veio falar comigo. Apresentei o Garotinho e ele deixou todos esperando e veio nos dar atenção. Concedeu uma entrevista exclusiva à Rádio Cidade, por telefone e encantou o radialista. Meses depois, Garotinho ingressa no PDT e recebe o carinho e o apoio de Brizola, elegendo-se deputado logo depois. Em seguida, prefeito, secretário de Agricultura e governador.

Nunca fui puxa-saco e me afastei bastante. No poder, todos queriam se aproximar e eu me afastei. Mas na campanha de 86 estávamos de novo juntos. Me lembro que Brizola ficou uma noite na casa da família Pereira Pinto, em Santa Isabel. Estávamos eu, ele, Darcy (candidato à sua sucessão), Neiva Moreira e Antônio Carlos Pereira Pinto contando histórias e piadas. Era um homem enérgico, respirava política, mas tinha um profundo respeito pelas pessoas e raramente perdia o bom humor. Muitos que ele alçou ao poder com seu prestígio e apoio, o abandonaram. Mas todos reconhecem a grandiosidade de Brizola e sua importância na história do Brasil. Dificilmente teremos um político com tamanha coerência, ética e amor pelo povo. Sinto-me orgulhoso por ter seguido sua liderança e, mesmo que por muito pouco tempo, ter tido sua atenção, sem interesses outros que não fossem o bem de nossa região. O que posso dizer numa hora dessas? Adeus Brizola, você vai fazer muita falta!

Avelino Ferreira

ABAIXO, ALGUNS REGISTROS DA RESISTÊNCIA EM 1961, APÓS A QUAL BRIZOLA FOI CONSIDERADO "INIMIGO PÚBLICO Nº 1 DO SISTEMA:  

Brizola com a inseparável metralhadora INA.
 Foto: Acervo fotográfico do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa
Brizola vistoria as armas usadas pela BM.
Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

O Palácio Piratini tornou-se uma cidadela.
Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Brigada Militar defende o Palácio Piratini.
Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

 Brizola visita o Comitê de Resistência do Centro São Borgense.
Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
Deputado Tenório Cavalcanti esteve no Piratini, prestando solidariedade a Brizola.
Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

As fotos são do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, criado em 10 de setembro de 1974, depois de uma mobilização, liderada pela Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI), é o guardião da memória gaúcha. Ali estão textos, jornais, revistas, fotos, filmes, vídeos, discos e equipamentos, testemunhos dos principais fatos ocorridos no Estado e no país e da evolução técnica ocorrida nos meios de comunicação. Para ali são enviadas as fotos que registram as atividades dos governos do Rio Grande do Sul. Um dos destaques do acervo fotográfico são as imagens da Cadeia da Legalidade.

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