Véspera do golpe de 1º de abril, decidi reproduzir aqui o texto abaixo, de 2009, para esclarecimento do que foi a ditadura militar no Brasil. Em verdade, um texto para jovens estudantes, genérico, mas importante para quem se interessa por nossa história recente.
sábado, 4 de abril de 2009
(texto do professor Avelino Ferreira
para aula)
O golpe militar no Brasil, em 1º de abril de 1964, havia sido preparado anos
antes. Documentos liberados pelos americanos 30 anos depois daquela data
revelaram as manobras da Central de Inteligência Americana, a famosa CIA, para
desestabilizar o Governo de João Goulart e criar as condições para o golpe e a
tomada do poder. Centenas de jornalistas, escritores e sociólogos foram
contratados para desencadearem uma campanha de desestabilização do Governo e
muitos políticos receberam apoio para, eleitos, defenderem os interesses
americanos. Para apoiar o golpe, caso houvesse resistência por parte da
população e/ou Governo, os americanos prepararam os mariners (soldados bem
armados que, afinal, não foram usados justamente pela não reação das forças
democráticas aos golpistas).
Os próprios americanos, 30 anos depois, escreveram muitos livros, baseados em
documentos, sobre as manobras patrocinadas por eles para desestabilizarem João
Goulart. Historiadores brasileiros e jornalistas também tiveram acesso a essa
documentação e escreveram muitos livros sobre o golpe e suas consequências. A
própria TV Globo, que nasceu apoiada pelos americanos e pelos militares
brasileiros que desejavam derrubar a TV Tupi, considerada nacionalista, passou
a denominar de Golpe de Estado o movimento militar de 1964, que até o início da
década de 1990 era, para ela, uma Revolução, como se o povo é que tivesse
derrubado o Governo.
Os americanos precisavam dominar o Brasil
O que os americanos (com industriais, latifundiários, banqueiros e empresários
brasileiros aos quais se aliaram) desejavam era o controle do maior país da
América Latina. Para isso, precisavam evitar as reformas de base (reforma
agrária, reforma na educação etc.) Na verdade, eles tentaram controlar o Brasil
desde o segundo Governo Vargas (1951/1954). Vargas suicidou-se. Tentaram
desestabilizar Juscelino Kubitscheck e quase conseguiram. Forçaram a renúncia
de Jânio Quadros seis meses após ele ter assumido a Presidência da República,
em 1961. Naquele momento, impediram a posse do vice, João Goulart que só
assumiu porque Leonel Brizola, com apoio do III Exército (sediado no Sul),
resistiu e pegou em armas para defender a Constituição. Mas Goulart, para
assumir, teve que aceitar uma Emenda Constitucional que criava o Parlamentarismo,
regime pelo qual o presidente é figura decorativa. Chefe de Estado, mas não
Chefe de Governo. No Parlamentarismo quem governa é o Congresso, através de um
Primeiro Ministro indicado pelos deputados.
Com a campanha liderada pelo Brizola (que veio para o Rio de Janeiro, se elegeu
deputado e percorreu o país unindo o povo em torno da proposta de um plebiscito
no qual a Nação diria SIM ou NÃO ao Parlamentarismo) o povo foi às ruas e votou
contra a Emenda Parlamentarista. Goulart reassume a chefia do governo com
plenos poderes. Mas ao anunciar as reformas (até hoje necessárias, exigidas e
não concretizadas) os militares desfecharam o golpe, apoiados pelo governador
de Minas Magalhães Pinto e o governador do então Estado da Guanabara, Carlos
Lacerda. Os americanos estavam por trás de todas as articulações. Temiam que o
Brasil fosse independente e se tornasse socialista, como Cuba, 05 anos antes.
A ditadura persegue, prende, tortura e mata
Após o golpe no dia 1º de abril de 1964, é editado o Ato Institucional nº 1, no
dia 09, pelo qual o governo, que intitulou-se “revolucionário”, punia uma série
de pessoas consideradas “inimigas do novo regime”. O marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco assume no dia 11. Os militares queriam mostrar que o
novo regime era democrático e elegeram, por via indireta, o marechal. Em
novembro, é editada a lei que proibia atividades políticas por parte das
organizações estudantis. Em 27 de outubro de 1965, é editado o Ato
Institucional nº 2, cassando muita gente. Vieram outros atos institucionais e
dezenas de atos complementares, sempre restringindo as liberdades ao povo e
aumentando o poder dos militares. O Governo tinha minoria no Congresso e não
gozava de simpatia por parte da população. Daí, cassava deputados, prefeitos,
governadores. Os Partidos políticos são dissolvidos e criados ARENA e
MDB.
Em outubro de 1966, por via indireta (só os parlamentares votavam), é eleito
para presidir a República o general Artur da Costa e Silva, que assume a 15 de
março de 1967. Em 1968 Costa e Silva adoece. No fim daquele ano assume o
Governo uma junta militar que edita o AI-5. Depois, elege, indiretamente, o
general Emílio Garrastazu Médici, que governa o país com mão-de-ferro até 1974.
Médici endurece o regime. Com o AI-5, tinha plenos poderes, como um Rei. Até a
Justiça ficava sob seu comando. A reação então não veio do povo, que temia as
mortes, torturas e prisões que vinham ocorrendo. Veio de pequenos grupos que,
sem opção, pegaram em armas para combater o regime. Foi o período mais violento
da ditadura. Em seguida veio Ernesto Geisel (1974/1979) e, finalmente João
Baptista de Oliveira Figueiredo (1979/1984).
O período da ditadura militar, ainda desconhecido pela maioria do nosso povo,
foi o período da americanização do Brasil. Chegamos ao ponto de termos uma lei
para garantir que a música brasileira tocasse nas rádios. O gosto pelo que era
americano foi-nos imposto de tal maneira que, para fazer sucesso, muitos
artistas cantavam em inglês com nomes ingleses. O cinema foi dominado pelos americanos.
Nas escolas, o ensino de Francês foi substituído pelo inglês, obrigatório. Até
à nova LDB isso era uma realidade. De 1996 para cá, o Espanhol também passou a
ter vez no ensino. A educação e a saúde foram sucateadas para que os
empresários pudessem entrar no setor. A escola particular e os hospitais
particulares proliferaram, inclusive recebendo verbas do Governo. Fizeram do
público algo privado e a corrupção era acobertada, com a imprensa censurada.
Artistas sofrem com a censura
Cantores como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria
Bethânia, Geraldo Vandré, Taiguara e outros tiveram que deixar o país. Vandré,
por ter sido acusado de só falar em povo, pobreza etc. e nunca falar de beleza,
de flores etc. compôs a música Caminhando, a qual deu o nome de Pra não dizer
que não falei das flores. Foi premiado no Festival Internacional da Canção de
1968, quando ficou em segundo lugar, e a música virou hino nacional
rapidamente. Os militares proibiram a música, prenderam e torturaram Vandré e o
expulsaram do país. Ele só voltou após a ditadura e não fala sobre sua obra.
Não dá entrevista. Chico Buarque adotou o nome de Julinho de Adelaide para
poder evitar a censura e gravou um disco com esse nome. Caetano, no exílio,
recebe uma homenagem de Roberto Carlos, que compõe Debaixo dos caracóis de seus
cabelos, referindo-se a ele e à saudade de sua terra, à qual um dia retornaria,
segundo Roberto. De fato, voltou dois anos depois cantando “Leãozinho”. Foi uma
decepção mas... é coisa de artista.
No teatro, quase todas as peças eram censuradas e proibidas. O dramaturgo
campista Winston Churchill teve quatro peças proibidas e só liberadas na década
de 1980, assim como Plínio Marcos, dramaturgo paulista. As pessoas, entre 1968
e 1979, ano da anistia, viviam com medo. Os jornais e TVs eram censuradas,
reuniões eram proibidas, os sindicatos sob censura e vigilância. Em Campos,
como de resto em quase todo o país, as famílias de nada sabiam. Não se podia
pronunciar as palavras operário e proletário. Comunista era um palavrão, um
xingamento. A sociedade se omitiu e só reagiu quando tudo estava consumado. Aí,
já era tarde. Os ricos ficaram muito mais ricos. Hoje, muitos choram seus
mortos. Reclamam da saúde e educação ruins, mas contribuíram para que assim
fosse. Só tiveram “coragem” com a anistia, quando os movimentos passaram a ser
permitidos pelos militares.
Prisões em Campos
Em Campos, no dia 11 de abril de 1964, morreu o prefeito Barcelos Martins. Ele
estava em Niterói, quando sua casa foi invadida pela polícia. Soube da notícia
e teve um infarto. Irineu Marins, Olavo Marins, Almirante Costa, Tarcísio
Tupinambá, Delso Gomes e tantos outros intelectuais, políticos e líderes
sindicais foram presos. Jacyr Barbeto, líder sindical que elegeu-se vereador,
foi cassado em abril de 1964. Cassado também em 1964 o deputado federal Adão
Pereira Nunes. Em 1967, foram cassados os deputados federais Antonio Carlos
Pereira Pinto e Sadi Bogado. Delso ficou
preso sete meses. Hoje ele preside a Associação dos Aposentados e Pensionistas
e lançou um livro contando parte dessa história. Muitos outros fugiram. Em
1969, o médico César Ronald, após ser preso, foge para o Uruguai. Seu irmão,
Avelino Leôncio, é preso, torturado e, para não morrer, foge e se exila em
Portugal. Em 1972, mais prisões de lideranças populares e sindicais, entre as
quais, Fernando Machado, que sofreria os horrores de Água Santa por sete
meses.
O que os americanos desejavam, conseguiram: um povo subjugado, alienado e dócil.
Os capitalistas a eles ligados, conseguiram o que queriam: enriqueceram,
evitaram as reformas e mandam no país até hoje. Com as novas tecnologias, já
não precisam de armas. Um exemplo é o atual Governo. Controlado pelos
capitalistas, Lula faz o jogo dessas elites. E, usando a Justiça e os favores
de parte a parte, impede que Garotinho se candidate, pois Garotinho se
constitui num perigo para o “statu quo”. Como fizeram com o Brizola em 1984, ao
impedirem eleições diretas. Agora, reeleito, Lula diz que quando era jovem, era
da esquerda (ou seja, a favor dos trabalhadores), mas amadureceu e, agora, é da
direita, do lado dos empresários e tentando conciliar capital e trabalho.
Vergonhoso.
Cuba, único país a resistir
Sem forças para reagir no diálogo, até porque as elites dialogam mas nada fazem
para mudar a realidade, parcela do povo reage com a força. Por isso o
surgimento do MST, no Paraná, com apoio da Igreja católica, em 1984 e, agora, o
MLST. No caso dos miseráveis incrustados nas favelas dos grandes centros, eles
reagem à força, mas em causas particulares e não públicas, o que se constitui
num perigo para toda a população, pois agem com violência contra o próprio
povo. Os militares, enfim, evitaram as reformas que o país precisa e que parte
do mundo fez há muito tempo. Depois do golpe no Brasil, os americanos
patrocinaram golpes militares na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
Dominaram a América Latina que é o quintal deles. O único país a resistir aos
seus ataques foi Cuba, mas há quase 50 anos o povo cubano sofre um bloqueio
econômico de tal ordem que não consegue progredir, embora tenha a melhor
educação e a melhor saúde das Américas e o melhor esporte da América Latina.
Afora o fato, confessado pela CIA, de que os americanos patrocinaram mais de
300 tentativas para matar Fidel.
Registre-se que, a partir da anistia em 1979, e o retorno de muitos exilados,
muitas foram as reações ao regime, que respondeu com prisões, perseguições,
torturas e assassinatos. Mas, com a economia indo de mal a pior, os militares
foram cedendo espaço. No entanto, sem perder o controle. Tanto que as eleições
diretas não ocorreram em 1984, pois temia-se que Leonel Brizola fosse eleito. A
eleição presidencial foi indireta e Tancredo ganhou de Maluf. Morreu Tancredo e
assumiu Sarney, que foi um desastre. Não podemos nos esquecer da bomba que
explodiu no colo de um militar que iria jogá-la no Riocentro, durante um show
musical em comemoração ao Dia do Trabalhador, no Riocentro, em 1981. Culpariam
os comunistas. Milhares de pessoas morreriam, pois os portões foram fechados.
Ataques terroristas vitimaram pessoas na OAB e na Câmara de Vereadores do Rio.
Todos os nossos passos aqui em Campos, de 1979 a 1984 foram vigiados pelos
órgãos de repressão.
Músicas denunciam o regime
Uma das músicas de Chico denunciando a ditadura:
Acorda amor, eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição.
Era a dura, numa muito escura viatura,
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame, chame o ladrão.
Acorda amor, não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão da escada
Fazendo confusão, que aflição
São os “home”, e eu aqui parado de pijama
Eu não gosto de passar vexame
Chame, chame, chame, chame o ladrão.
Se eu demorar uns meses
Convém, às vezes, você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo,
Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer
Acorda, amor, que o bicho é bravo, não sossega
Se você corre, o bicho pega,
Se fica, não sei não. Atenção:
Não demora, dia desses chega a sua hora.
Não discuta à toa, não reclame,
Chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão.
Não esqueça a escova, o sabonete e o violão.
Muitas outras músicas de protesto contra a ditadura foram gravadas. Algumas
censuradas, proibidas. Mas a que ficou até hoje como símbolo da resistência dos
artistas, sem dúvida, foi a música de Geraldo Vandré, proibida de 1969 a 1980:
Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando):
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas, marchando, indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo canhão
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão;
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Enfim, os americanos venceram: somos um povo submisso
O Brasil passa a significar, para os irônicos: "bravos rapazes americanos
silenciosamente irão levando". Os militares encobriam a corrupção com a
censura. Quando o economista Roberto Campos faliu um banco do qual era sócio, o
Governo cobriu tudo e o nomeou embaixador em Londres. Outro economista, Delfim
Netto, como ministro da Fazenda, causou um estrago na economia fraudando os
dados da inflação e foi nomeado embaixador em Paris. Voltaram anos depois como
se nada tivesse acontecido. Roberto Campos se elegeu senador pelo Rio e Delfim
Netto, deputado federal por São Paulo. Antes, no Governo Figueiredo, Delfim foi
nomeado ministro da Agricultura e, depois, ministro do Planejamento. Os atos de
corrupção do pessoal ligado ao Governo eram proibidos de ser publicados, assim
como eram proibidas as matérias que tivessem as palavras operário, proletário,
ditadura, Golpe de Estado e matérias que tivessem alguma coisa a ver com os
direitos humanos.
Aqui em Campos, Alair Ferreira, que era contador prático e membro da Associação
Comercial e Industrial, conseguiu se eleger deputado com as cassações dos
deputados contrários à ditadura. Ele era suplente de deputado e assumiu a vaga
de um dos cassados. Associou-se ao ministro Mário Andreazza e sua firma fez
obras no Brasil inteiro. Ficou milionário e se elegeu várias vezes. Quando o
regime militar acabou, seus votos minguaram. Ele morreu logo depois. Outros que
ganharam muito dinheiro com os governos militares foram os usineiros. Pegaram
milhões de dólares que nunca pagaram. Quando acabou o regime militar, faliram.
Todos eles. Evaldo Inojosa, dono da Usina de Outeiro, tinha avião particular.
Geraldo Coutinho, dono da Usina Paraíso, em Tocos, tinha avião particular.
Viviam como príncipes. Acabou o dinheiro do Governo, eles faliram. Faliram mas
não foram obrigados a pagar suas dívidas e, com altos salários do IAA, com
receitas de terras arrendadas, jamais conheceram dificuldades básicas.
Décadas de mudanças no comportamento
Durante o regime militar, o mundo sofreu muitas transformações, começando pelos
Beatles e os Roling Stones, depois, Bob Dylan, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e o
Festival de Woodstock nos Estados Unidos em 1969. As barricadas de Paris em
1968, na França, quando os jovens foram às ruas exigir mudanças, foram um marco
dessas mudanças de comportamento. Surgiram os hippies, a contestação através
das roupas coloridas, do blue jeans, dos cabelos compridos, das relações
sexuais livres.
No Brasil, surge o Iê, iê, iê e a Jovem Guarda com um comportamento espontâneo,
livre. Raul Seixas dá o tom maluco beleza em protesto contra a farsa montada
pela ditadura. Surge a Tropicália com os baianos Caetano, Gil, Bethânia e Gal e
todo um modo de ser que era contrário a tudo que existia até então. A minissaia,
as mulheres usando calças compridas (o que foi considerado um absurdo), as
calças pantalonas, os cabelos compridos, os barbudos, as bolsas tiracolo e as
mochilas. Foi uma verdadeira revolução no comportamento que os militares nada
puderam fazer, embora tratassem os jovens como rebeldes e com desprezo. Esse
movimento nada tinha a ver com os militares, mas ocorreu durante o regime militar
e foi tido como contestação à ditadura.
Gerações dóceis
Os males que a ditadura militar causou ao Brasil e aos brasileiros ainda vão
continuar prejudicando o povo por muitos anos. A geração que nasceu em meados
dos anos de 1960 até os anos 1990, é uma geração que detesta política, acredita
que todos os políticos são iguais e aprendeu que o honesto é um idiota, pois o
bom é levar vantagem em tudo, como disse o Gerson, jogador da seleção
brasileira de 1970, ao fazer uma propaganda de cigarro naquela época.
Essa geração que tem hoje entre 33 e 43 anos, assimilou o individualismo
americano e não é solidária. Quer se dar bem na vida e tem um lema: Cada um por
si e Deus por todos. Essa geração tem filhos e ensinam seus filhos a cuidarem
de suas próprias vidas, sem se importarem com os outros. Assim, vivem numa
grande competição e querem cada vez consumir mais. É uma geração sem causa, que
nada cria e só reclama. Seus filhos, hoje com idades entre 12 e 20 anos, em
média, nunca têm os pais, que só pensam em trabalho e compensam a falta da
presença deles em casa com bens de consumo. A geração que se forma também é uma
geração sem causa. A vida não tem sentido ou, se tem, o sentido está no
consumo, no ter e não no ser. Igualzinho os jovens americanos, tão bem
retratados nos filmes Beleza Americana e Kids.
Ao estudar o período do regime militar, os poucos jovens que ainda pensam
começam a entender uma série de coisas que deviam saber há muito tempo. Seus
pais nunca tiveram interesse, nem os professores, até agora, disseram alguma
coisa importante sobre a época. Até as músicas os jovens não entendem, porque
não sabem da importância do que ocorreu entre 1964 e 1984.
Um exemplo é Chico Buarque quando ele canta a música Acorda amor, que diz
“acorda amor, eu tive um pesadelo agora, sonhei que tinha gente lá fora,
batendo no portão, que aflição”, referindo-se à polícia da ditadura que ia
prendê-lo e ele diz “chama o ladrão, chama o ladrão”. Ou quando Elis Regina
canta O bêbado e o equilibrista, quando diz “chora a nossa pátria mãe gentil,
choram marias e clarisses no solo do Brasil”, referindo-se à dor dos que
partiram, expulsos ou fugindo da ditadura. A própria música Caminhando, de
Vandré, é cantada pelos jovens que não entendem que ela é um hino contra a
ditadura, um canto à liberdade.
Enfim, o imperialismo americano conseguiu o que desejava: um povo submisso e
afinado com a cultura do ter e não do ser. Gerações sem perspectiva, capazes
das maiores violências e sem parâmetros morais e éticos. Um arremedo de nação
que prefere entregar seu destino aos deuses, em vez de forjá-lo ele próprio.
Uma lástima. Mas a esperança é a última que morre...
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