Mais uma vez, como ocorre todos os anos, leio e ouço falar em "aniversário de Campos", umja alusão ao dia 28 de março. O absurdo é tamanho que não me contenho e, como sempre, há 36 anos, busco o debate sobre a datação histórica. Ouço também "emancipação" que alguns jornalistas e radialistas teimam em dizer, por desconhecimento da nossa história. Aliás, poucos conhecem a história do município. Enfim, lá vai um texto grande, mas é para poucos...
Campos,
181 ou 484 anos?
O rei de
Portugal, Dom João III, decide dividir as terras abaixo da linha do Equador dois
anos depois do descobrimento do Brasil. No dia 28 de setembro de 1532, a Terra de
Santa Cruz foi dividida em 14 capitanias hereditárias, que foram doadas a
fidalgos e comerciantes para povoamento e proteção da costa. Registre-se que,
em 1504, a Ilha de Fernando de Noronha, como capitania hereditária, havia sido
criada e doada a Fernão de Magalhães. Portanto, em 1532 o rei cria 14
capitanias, totalizando, com a primeira, 15.
A certidão de
nascimento de Campos, enquanto capitania de São Thomé, é desta data, ou seja,
28 de setembro de 1532. Mas a doação da
capitania só ocorreu em 1536. E media trinta léguas no sentido norte/sul,
beirando a costa, entre os rios Managé (hoje Itabapoana) e Macaé, em cujo
limite, a oeste, encontram-se as terras de Minas Gerais, ao norte/noroeste, o
Espírito Santo e, por óbvio, a leste, o Oceano Atlântico. Esta capitania foi
doada a Pero de Góis da Silveira, em 28 de agosto de 1536.
Registre-se que
o Brasil tem seu nascimento em 22 de abril de 1500, quando os brancos puseram o
pé em terra firme. Para os invasores, era uma ilha, que chamaram de Vera Cruz.
Depois, Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil. Não ficaram aqui mais que
alguns dias e a “nova terra” estava “batizada”, sem ainda o devido registro. No
caso de Campos, todavia, a certidão de nascimento existe.
Como o Brasil, esses
campos, que um dia foram dos goitacá, receberam outros nomes, como Capitania de
São Thomé, Capitania da Paraíba do Sul, Vila de Sam Salvador dos Campos, até a
definição como Campos dos Goytacazes. Depois, mudou para, apenas, Campos e,
novamente, já na década de 1980, novamente Campos dos Goytacazes. Mas a troca
de nomes não é fator relevante neste caso, como não o foi para o país nem para
grande parte das cidades e estados que se orgulham de sua longevidade.
Creio que não
se deve deixar de comemorar nossas datas importantes, como o 29 de maio e o 28
de março (datas da elevação à categoria de Vila e de Cidade, respectivamente),
mas o aniversário, o nascimento, deve ser divulgado e comemorado como o fato
mais importante. Com a datação de nascimento estabelecida, os fatos históricos
ganham um sentido, uma lógica facilmente assimilável. Isso porque muita gente,
inclusive professores, tratam o dia 28 de março como “aniversário” da cidade.
Tendo como
registro de nascimento o 28 de setembro de 1532, pode-se falar do batismo em
1536 (carta de doação da capitania a Pero de Góis e de sua luta para colonizar
a terra recebida). Em sequência, a destruição de sua propriedade; a tentativa
de seu filho, Gil de Góis, de colonizar a terra recebida como herança; a doação
das terras aos “sete capitães” em 1627; a demarcação das sesmarias em 1633 e
sua divisão em grandes fazendas de gado; a negociação das terras com o general
Salvador Corrêa de Sá e Benevides e algumas irmandades religiosas em 1648.
Como se não
bastasse, há a criação da Câmara em 1652, quando ocorreu, em dezembro, a
primeira eleição dos vereadores; Em seguida, a criação da Vila, em 1677, e as
lutas travadas pelos heréos (herdeiros dos sete capitães) e confinantes
(fazendeiros vizinhos), incluindo Benta Pereira e seus filhos, com as
autoridades governamentais do Rio de Janeiro e de Portugal, até 1752, quando a
capitania passa a ser, definitivamente, dos campistas; e a elevação à categoria
de Cidade, em 1835, juntamente com Angra dos Reis e Niterói, municípios que
comemoram suas datas de nascimento em 06 de janeiro de 1502 (quando apenas
recebeu um nome: Ilha de Santos Reis) e em 22 de novembro de 1563,
respectivamente.
Se seguíssemos
a datação de Angra, o nascimento de Campos seria em 1501, quando foi avistado o
cabo que recebeu o nome de São Thomé, na expedição de Gaspar de Lemos. Essa
mesma expedição é que chegou a Angra em janeiro de 1502 e, como era dia 06 de
janeiro, dia dos Santos Reis (os Reis Magos da mitologia cristã), a ilha foi
denominada Ilha dos Santos Reis.
Há que se
perguntar, então: como Angra dos Reis montou sua história a partir da
denominação da ilha por uma expedição de reconhecimento e todos aceitam sem
problema algum, mas garantindo razoabilidade a todos os fatos posteriores, e Campos,
reconhecido meses antes, em junho de 1501, comemora 1835 como “aniversário”? A
mesma pergunta pode ser feita quanto a Niterói, que comemorou em novembro de
2014, 451 anos de existência.
Para
quem se interessar pelo debate, o texto abaixo, para início de conversa...
Em 1532, dom João III anuncia sua intenção de dividir a colônia em
15 amplas faixas de terra e entregá-las a nobres do reino, os capitães
donatários, para povoá-las, explorá-las com recursos próprios e governá-las em
nome da Coroa. Essas faixas são de largura bastante diversa, podendo variar de
150 km a 600 km, e estendem-se do litoral para o interior até a linha
imaginária de Tordesilhas. Entre 1534 e 1536, dom João III implanta 14
capitanias, concedidas a 12 donatários, que se vieram somar àquela doada em
1504 a Fernão de Noronha pelo rei dom Manuel.
Capitanias hereditárias, Carta de d. João III sobre a colonização
do Brasil
"Lisboa, 28 de
setembro de 1532
Martin Afonso amigo. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Vi as
suas cartas que me escrevestes por João de Sousa, e por ele soube da vossa
chegada a essa terra do Brasil, e como íeis correndo a costa, caminho do Rio da
Prata, e assim, do que passastes com as naus francesas dos corsários, que
tomastes, e tudo o que nisto fizestes, vos agradeço muito...
Depois de vossa partida se praticou, se seria meu serviço
povoar-se toda esta costa do Brasil, e algumas pessoas me requeriam capitanias
em terras dela.
Eu quisera antes de nisso fazer coisa alguma, esperar por vossa
vinda para com vossa informação fazer, o que me bem parecer, e que na
repartição, que disso se houver de fazer escolheis a melhor parte e, porém,
porque depois fui informado, que de algumas partes faziam fundamento de povoar
a terra do dito Brasil, considerando eu com quanto trabalho se lançaria fora a
gente, que a povoasse depois de estar assentada na terra, e ter nela feitas
algumas forças como já em Pernambuco começavam a fazer, segundo o Conde de
Castanheira vos escrevera, determinei de mandar demarcar de Pernambuco até o
rio da Prata cinqüenta léguas de costa a cada capitania e antes de dar a
nenhuma pessoa, mandei apartar para vós cem léguas, e para Pero Lopes, vosso
irmão, cinqüenta nos melhores limites desta costa por parecer de pilotos, e de
outras pessoas por quem o Conde por meu mandado se informou, como vereis pelas
doações que logo mandei fazer..."
Fonte: GASMAN, Lydinéa. Documentos Históricos
Brasileiros. Brasília: MEC/FENAME, 1976.
Avelino
Ferreira
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