Amanha, 15 de janeiro de 2016, é dia de Santo Amaro e feriado municipal. Os milhares de peregrinos, partindo de diversos pontos da cidade e dos distritos, e, ainda, de outros municípios, fazem a caminhada até a igreja de Santo Amaro. Chegam à noite e durante toda a madrugada, até o amanhecer.
Eu escrevi a história do santo, da igreja, do distrito, da festa, da cavalhada e da peregrinação, entre os anos de 2000 e 2002, com o auxílio de Viviane Terra e Sylvia Márcia Paes, principalmente. Mas não consegui publicar o trabalho, que é recheado de fotos e seria o primeiro livro sobre o assunto. Na esperança de um dia poder publicá-lo, posto, hoje, um trecho para aqueles que se interessam por nossa história.
Amaro,
o santo
Em geral as pessoas
comuns não possuem registros capazes de causar interesse à história e aos
historiadores. Quando se tornam notórias, seja na política, na religião, nas
artes ou quaisquer outras atividades públicas ou de interesse das comunidades,
passam a fazer parte da história; e do passado são registrados o que importa a
esse ou aquele segmento. Por isso, quando se busca o passado de pessoas comuns
que ganharam notoriedade na vida adulta, fantasia-se, cria-se lendas e, de
concreto, pouco se tem de verdade. Assim era e assim é.
Nesta
empreitada, quando tratamos das figuras que foram santificadas pela Igreja
Católica, que são adoradas pelos mais diversos grupamentos e que, antes de
realizarem as proezas que as tornaram objeto de estudo por parte do catolicismo
ou cristianismo oficial eram figuras simples, do povo, praticamente não há
registros que possamos considerar. Vale, para a história, a narrativa dos que
vieram depois. Um exemplo ocidental é a vida de Jesus. Nem a Igreja sabe de sua
vida até o início de sua pregação de um hipotético Reino dos Céus e de um Deus que salvaria os justos os quais teriam
a vida eterna. Muitos registros de suas andanças e pregações foram feitos por
pessoas que sequer o conheceram, como Lucas, Marcos e Paulo.
Assim
também ocorreu com uma infinidade de profetas, pensadores e teólogos. Para nós,
no presente trabalho, seria interessante a vida de Amaro (ou Mauro, seu nome
verdadeiro), antes dele se tornar um dos maiores discípulos de Bento e que
abandonou sua vida “mundana” para viver enclausurado num mosteiro. Quem
escreveu sobre Mauro, o abade (Importante o adjetivo abade porque existem outros Mauros também canonizados) foi
Gregório, que também era discípulo de Bento e, ao que parece, viveu algum tempo
com Mauro, num mosteiro, sob a liderança de Bento. Gregório, que foi
cognominado Gregório I, o Grande,
quando se tornou Papa no ano 590, sendo o primeiro monge a chegar àquela
condição, governou Roma como um rei independente, organizando exércitos e
impondo as regras beneditinas sobre o monastério latino. Admirador de Mauro,
dizia que ele era de uma família senatorial romana e seu pai chamava-se
Equício ou Equitius.
Também um monge de nome Fausto, colega de Mauro no mosteiro de Monte
Cassino, escreveu sobre ele enquanto seguidor de Bento. Dessa forma, nada
sabemos de Mauro antes dele ser discípulo predileto de Bento. De qualquer
maneira, importa pouco sua vida pregressa, pois, de família abastada ou
razoavelmente abastada, foi educado em casa, de onde saiu, levado pelo pai,
para o clausuro.
Quando
Bento (que viveu entre os anos 480 e 544 d.C.), nascido “de boa família” da
cidade de Spoleto, na Itália, decidiu-se à vida religiosa, afastou-se de Roma
e, a umas cinquenta milhas, estabeleceu-se na cidade de Subíaco, dentro de um
palácio abandonado, construído pelo Imperador Nero, em meio a uma floresta.
Fixou-se ali, numa caverna próxima a uma corrente d’água artificial, a partir do
represamento de um rio, em local íngreme. Até os alimentos que um admirador lhe mandava, era-lhe fornecido por
meio de cordas que desciam os sacos cheios de produtos até a entrada da
caverna. A vida recolhida de Bento foi comentada na cidade e nas aldeias e, em
pouco tempo, muitos jovens se interessaram por ele e seguiram até Subíaco para
tornarem-se seguidores daquele homem que abandonou tudo para viver como monge.
Um desses jovens e que foi levado pelo pai “para ser educado por Bento”, era
Mauro.
Quando
Bento deixou Subíaco e estabeleceu-se em Monte Cassino
(próximo a Nápolis, um pouco mais distante de Roma) Mauro o seguiu, tendo sido
o primeiro superior e administrador do famoso mosteiro. Seu colega Fausto o
descreve como “homem de grande virtude, modelo de obediência, humildade,
caridade e austero consigo mesmo”. No ano de 535, Bento foi solicitado a abrir
um mosteiro na França e escolheu para essa missão pioneira o abade Mauro. O
mosteiro, fundado por ele, de nome Glanfeuil, tornou-se célebre. Anos depois,
uma aldeia formou-se ao seu redor e foi denominada São Mauro. A criação do
Mosteiro de Glanfeuil foi o início da expansão dos mosteiros beneditinos por
toda a Europa. Mauro faleceu no Mosteiro de Glanfeuil, no dia 15 de janeiro de
567. Em sua honra surgiram muitas igrejas por toda a Europa. Atribuía-se a ele
muitos milagres.
Quando a
congregação beneditina veio para a Capitania de São Thomé assumir um quinhão
das terras então pertencentes aos herdeiros dos Sete Capitães, na Baixada já
existiam fazendas de criadores de gado cavalar e vacum. Os beneditinos
construíram um mosteiro (Mosteiro de São Bento) em Campo Limpo (hoje,
distrito de Mussurepe) e fizeram espargir suas idéias pela planície no final do
século XVII, após receberem, em doação, em 1648, numa escritura polêmica que
passava as terras dos herdeiros dos Sete Capitães para o general Salvador
Corrêa de Sá e Benevides, os jesuítas, os beneditinos e um tal capitão Pedro de
Souza Pereira, amigo de Salvador Corrêa.
A
menor parte coube aos beneditinos. Porém, era uma enorme propriedade,
compreendendo muitos quilômetros de terra. Terra que aumentava porque muitos
colonizadores deixavam como legado para a congregação parte de suas
propriedades, em seus testamentos. Os beneditinos possuíam terras nas
localidades de Mulaco, Algodoeiro, Ciprião, Babosa, Bananeiras, Mussurepe, Taí,
São Sebastião e São Bento. Depois da expulsão dos jesuítas, que dominavam outra
imensa área de terra à direita da Estrada do Açúcar, os beneditinos estenderam
seus domínios às localidades de Retiro, Caboio, Olhos Dágua, São Martinho,
Pitangueiras e Santo Amaro.
Também
possuíram terras na cidade, incluindo parte do que é hoje o Parque Leopoldina,
o IPS (estrada do Capão), Queimado e Carvão. Ao redor do mosteiro surgiu um
pequeno povoado e a localidade ficou conhecida (até hoje) como São Bento. Do
mosteiro, os seguidores e devotos de Bento administravam as propriedades. Com o
tempo, foram cedendo um lote de terra aqui, outro acolá, atendendo as
necessidades das famílias que desejavam um pedaço de chão para residirem,
cultivarem para o próprio alimento e criarem gado. No século XIX, o Mosteiro
transferiu as propriedades para os posseiros e para os que desejavam comprar as
terras.
Santo Amaro, a partir
dos beneditinos, começou a fazer parte da crença do povo e entrou no folclore,
sendo invocado contra enfermidades (principalmente), tornando-se um santo
milagreiro, motivo pelo qual surgiu as caminhadas dos devotos até a igreja, na qual
depositam seus ex-votos. O caminho de Santo Amaro tornou-se o ponto principal
de peregrinação no Estado do Rio, não só para os fiéis, mas para turistas e
pessoas de diversas localidades que fazem o percurso, principalmente depois de
2010, quando o poder público passou a tratar o Caminho de Santo Amaro como
evento religioso/turístico dos mais importantes, não apenas do Estado, mas do
país.
Breve histórico da Igreja
No século XVIII, mais
precisamente em 1733, os beneditinos ergueram uma capela em homenagem a Santo
Amaro, atendendo pedido dos devotos. Há uma lenda que diz que a imagem do
santo, que chegou com os beneditinos no final do século XVII, desapareceu do
mosteiro e surgiu num pequeno monte no
povoado mais tarde denominado Santo Amaro. Os seguidores de Bento foram
lá, resgataram a imagem e levaram-na para o mosteiro. Mas, pouco tempo depois, a
imagem voltou a desaparecer e surgiu no mesmo local onde seus devotos a haviam
encontrado anteriormente. Os beneditinos então decidiram construir ali uma
capela e depositar no altar a imagem do santo. Em 1739, a capela foi reerguida.
Em 1795, uma nova capela foi construída no mesmo local, segundo dados da
Empresa Brasileira de Turismo. E entre 1854 e 1857, foi erguida a igreja atual,
sem as torres. Mais tarde, Dom Bonifácio Plum mandou erguer uma torre. Em 1945, a igreja foi reformada
e ganhou mais uma torre.
Em
1964, o velho altar, que estava em ruínas, foi substituído por um novo. O novo
altar foi produto de uma campanha deflagrada pelo devoto e natural do distrito,
Waldir de Carvalho, que usou seu
programa na rádio Jornal Fluminense para arrecadar fundos e adquirir as peças.
Ele próprio foi encarregado de contratar um empreiteiro, o que fez em abril de
1963, firmando contrato com Otílio Castro. O altar foi contratado por 250 mil
cruzeiros. A planta foi elaborada pelo renomado artista Francisco Arueira, que
respeitou as “exigências históricas” da arquitetura. Todo trabalho foi aprovado
pelos beneditinos.
A
inauguração do novo altar para a Igreja de Santo Amaro ocorreu no dia 15 de
janeiro de 1964. O convite para a festa e a inauguração foi assinado pelo
radialista Waldir de Carvalho e pela direção da rádio. (Carvalho, Vol. II, páginas 347/348). A Igreja de Santo Amaro é um dos santuários
mais antigos da Diocese de Campos e o primeiro da Baixada.
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