História viva
por Rozane MonteiroViúva, filhos e aliados de Jango lembram dia do comício da Central. ‘Era um instante bonito da vida brasileira’, diz Waldir Pires
Há duas formas de se encarar um trauma. Tentar esquecer e fingir que
nunca aconteceu. Ou manter a memória viva para evitar, com todas as forças, que
o fato se repita. Há 50 anos, o presidente João Goulart vivia os últimos dias de
seu governo antes do golpe militar que inaugurou uma ditadura de duas décadas no
país. Ontem, na Uerj, a família Goulart se uniu a aliados do ex-chefe de Estado
para lembrar o comício que Jango fez na Central em 13 de março de
1964.
O encontro se chamou ‘50 anos do Comício da Central: O Brasil que
perdemos com o golpe militar’ e reuniu a viúva de Jango, Maria Thereza Goulart,
de 73 anos; os dois filhos, João Vicente, 57, e Denise, 56; e um dos políticos
mais próximos ao ex-presidente, Waldir Pires, que era consultor-geral da
República em 1964. Aos 87 anos, o hoje vereador baiano foi ontem na Uerj a voz
da história em estado puro quando ocupou o microfone por quase uma hora e contou
detalhes daqueles últimos dias de Jango no comando do país. Na plateia, havia
estudantes e políticos.
Waldir Pires contou que no caminho entre o Palácio Laranjeiras e a Central
naquele 13 de março Jango foi saudado com aplausos entusiasmados por onde
passava: “Era um instante bonito da vida brasileira.” E entregou um segredo que
prometeu a Jango que não revelaria na época: o presidente teve um enfarte “leve”
no México em 1962 ou 1963; e um “pesado, forte” em 1964, já no exílio no
Uruguai. Em 1976, Jango morreu na Argentina de ataque cardíaco, em
circunstâncias hoje investigadas pela Comissão Nacional da Verdade.
Discreta como sempre, Maria Thereza falou pouco ao chegar. Mas admitiu que no dia do comício teve “muito medo” porque havia “uma pressão muito grande” e Jango “não estava bem de saúde”.
A ex-primeira-dama também lembrou que havia um boato de que poderia haver um atentado contra seu marido. Já na mesa com os convidados do encontro, Maria Thereza se emocionou ao ler uma mensagem que levou escrita: “Meu muito obrigada pelo carinho e pela lembrança de que vivemos aqueles momentos de um passado tão marcante (...). Acho que foi Deus que me deu ajuda para estar aqui nesse momento, 50 anos depois, para uma reflexão do Brasil de Jango, que tanto sonhou com muita esperança para o povo. Meu tempo já é pouco, mas aos jovens desejo que lutem pelo futuro do Brasil e pela paz.”
No fim da tarde, cerca de 200 pessoas, entre políticos; militantes de partidos como PT, PCdoB, PSB e PDT; e representantes da CUT, UNE e MST foram à Central para marcar os 50 anos do comício de Jango. Em 1964, segundo Waldir Pires, foram mais de 200 mil pessoas.
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