O jornalista e repórter fotográfico premiado Thiago Freitas resolveu escrever um livro sobre o episódio de minha prisão em 2003, seus antecedentes e as consequências. Quer lançá-lo em setembro, quando completará 10 anos dessa parte triste da minha história. Mais triste porque foi uma prisão por "crime de opinião" em pleno estado democrático. Garimpando nos arquivos, encontrou alguns artigos, entre os quais o da educadora Beth Araújo, para a Folha da Manhã, jornal que deu a maior cobertura ao fato, na época. Reproduzo aqui o que será publicado em seu livro:
CARTA DO LEITOR
MARIA ELISABETH VIEIRA DE ARAÚJO
Sr. Diretor,
Neste momento, nossa manifestação resulta de imperativo moral. Tristão de Athayde já sentenciava: “o silencia só é de ouro enquanto não nos impede de dizer a verdade”.
É de justiça parabenizar a “Folha da Manhã” pela cobertura dos fatos que envolveram a condenação judicial e prisão do jornalista Avelino Ferreira, conduzida por este jornal de forma irrepreensível.
Tais fatos robustecem a história do jornal que vimos nascer e que vem apoiando as lutas mais significativas da região, sem empobrecimento da dimensão contemporânea dos fatos que marcam o país e o mundo.
Conhecemos o “quixotesco” Ferreira na década de 70. Aliás, Quixote até a aparência física. Compará-lo ao personagem de Cervantes não é ironia, mas, sim, um modo de sublinhar sua grandeza.
Dentre muitas, destacam-se a independência e a liberdade mantidas, muitas vezes, às custas de sacrifícios materiais imensos. Ângela Rô Rô explica: “a liberdade está na dor”.
Como homem e como jornalista, Avelino é um suicida por natureza. Joga-se nos fatos da vida, do mundo e de si mesmo com coragem assombrosa. Mas a contrapartida do seu trabalho, paradoxalmente, não é a morte, mas a VIDA, grávida de verdades — verdades que nos mantêm vivos e íntegros como cidadãos. Sua contribuição faz-se histórica e atesta o que afirmamos.
Parodiando o poeta Geir Campos, diríamos que Avelino Ferreira, em alguns momentos, “a pressa de colher, estraga o momento de plantar”. Ninguém é perfeito. Ele não professa nenhuma religião, mas a sensibilidade para as causas humanas, vetor de sua espiritualidade, o tem religado a Deus.
Não últimas décadas, não a fato cultural, político, etc. ante o qual Avelino Ferreira tenha estado ausente ou indiferente.
Crê no poder do conhecimento, mas não se perdeu na frieza de algumas teorias da comunicação. O “humano” é o foco da sua visão jornalística. Jamais se reveste da enganosa imparcialidade.
Assim tem sido a carreira do jornalista, artista de teatro, poeta, escritor, pesquisador, estudante de Filosofia e, além de tudo, amante da boa música.
Seus textos têm a marca da vida: das dores, alegrias, contradições, tensões, perigos, medos, coragem, ternuras, ódios, e a grande solidariedade ao pobre ser humano.
Meu Deus! Quantas tarefas para um menino que veio de um berço tão pobre, filho de quitandeiro, fato de que muito se orgulha!
Pudemos presenciar certa vez, no auge da ditadura militar, um policial deixar de espanca-lo por causa da sua fragilidade física. No fundo, mas o policial não sabia, foi sua força moral que deteve a mão do arbítrio.
O saudoso Dr. Adão Pereira Nunes, embora com afeto, o chamava, jocosamente, de “Garruchão”. O que, na linguagem da baixada campista, quer dizer “vara com uma ponta de ferro para tocar os bois”. Avelino usa seus textos como “garruchão” na denúncia das injustiças.
Pelo processo democrático ferido e pela condenação e prisão de Avelino Ferreira, sentimos dor e vergonha.
Por fim, Sr. Diretor, que a “Folha da Manhã”, no limiar dos seus 25 anos de existência, continue cumprindo com o seu papel inestimável na construção do estado democrático e na construção da história da planície goitacá.
Não é demais, por força da indignação ante os fatos em tê-la, terminar invocando trecho de uma poesia cujo autor me falha a memória: “e o bicho homem, tão presumido de sua razão...”
Publicado em Folha da Manhã, edição de 10 de setembro de 2003, página 7.