Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







domingo, 5 de setembro de 2010

Reflexão sobre o "lulismo"

Lula e a ética do dominado
Avelino Ferreira*

Após observar o Governo Lula sinto reforçada a idéia de que precisamos de uma filosofia latino-americana. O operário-Presidente nada diz que nos dê uma perspectiva para sair do jugo europeu (mente) e americano (corpo), pois está reproduzindo o que aprendeu, ou seja, a ética do opressor ou a assimilação de tudo aquilo que desejam os dominadores. Lembremos que uma assertiva muito comum por aqui foi “o que é bom para os americanos é bom para os brasileiros”. Por isso continuamos a querer ser como eles, sendo este o caminho (único) do “desenvolvimento”.

A questão a ser posta para um amplo debate, penso eu, é a da subjetividade do dominado. O dominado se vê como criança que um dia se tornará adulto. Seu desenvolvimento deve ser “natural”, entendendo-se “natural” o que o sistema eurocêntrico (e americanocêntrico) nos diz ser e, sendo eles os modelos de “adultos”, obviamente devemos ser como eles. Dessa maneira, o dominado é levado a desejar ser como o dominador, o “adulto”. Não tem consciência de que jamais o será. Ao contrário, será sempre o escravo, criado e mantido para servir.

É assim que age o dominado quando assimila a ética do opressor. E é assim que o opressor o mantém sob seu domínio, sem necessariamente tê-lo como colono. Até porque já o somos enquanto pensamento e enquanto entrega da nossa corporeidade. O nosso discurso é o do desenvolvimento, do consumo, do bem-estar a partir do consumo. Tudo, enfim, que o dominante quer que falemos e façamos. Ao assimilar tal discurso, seremos sempre dominados, vitimados.

Ainda há uma saída, pois os dominantes não eliminaram o “nacional” que há em nós. O que temos que fazer é assumir esse nacional, contrapô-lo à maneira pela qual nos enfiam goela abaixo a globalização e adotarmos uma ética própria, uma ética do dominado, da vítima, como propõe, entre outros, Enrique Dussel. Na verdade, o filósofo propõe uma ética global periférica e não nacional.

Com um novo pensamento, uma ética própria, por certo evitaríamos a perpetuação do eurocentrismo e do americanocentrismo e trilharíamos o nosso próprio caminho sem que tenham que nos dizer do que devemos gostar, qual modelo seguir, o que temos que pensar, mesmo quando nos insurgimos. Sim, pois até a insurgência ou o contradiscurso é-nos dado pelos opressores. Sequer nos perguntamos o porque de adotarmos o mesmo sistema que nos escraviza. Talvez porque não tenhamos a consciência de que somos escravos.

Os europeus dominam as nossas mentes (é uma dominação formal) e os americanos dominam os nossos corpos (via práxis). Quando Lula fala em desenvolvimento, está claro que se refere ao desenvolvimento dos dominadores. Então, não temos perspectiva de liberdade, de uma vida que não seja a de robôs cujas memórias são limitadas pelos criadores do nosso pensamento.

Quando sustentamos a idéia de um contradiscurso à ética que nos foi imposta, utilizando argumentos extraídos da nossa raiz de dominados e não os argumentos que nos são dados pelos próprios europeus (e americanos), somos vítimas das vítimas que não se sabem vítimas. Enfrentamos a ironia dos cínicos e dos que ainda não entenderam que temos que fazer a negação da negação e olharmo-nos como o outro em relação ao europeu – americano. Por tudo isso, a maneira de governar de Lula conduz ao aprofundamento do abismo que nos separa de nós mesmos.

Jornalista, licenciado e pós-graduado em Filosofia*

(artigo publicado no jornal O Diário em 2008)

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